Crônica em estado crônico 09 ou Carnaval inesquecível

        Corria o ano de 1976, o carnaval se aproximando, e a gente já pensando no que fazer, nos últimos anos saíamos para acampar, mas neste ano parecia que seria tudo diferente. Eu sinceramente não ligava muito para carnaval, foi uma festa que ficou nas brincadeiras de infância, nas fotos, com as fantasias, preferia viajar ou descansar , passar longe da folia.

        Resolvemos então que este carnaval seria diferente, formamos um grupo com fantasia e outros apetrechos carnavalescos, escolhemos o nome, nada mais original: Grupo Zodíaco, a fantasia improvisada, com sacos de farinha de trigo, e o símbolo dos signos de cada integrante desenhado. Tínhamos um nome, e um grupo fechado de 30 pessoas, foi também a forma de pagar um ingresso mais barato. O Clube era em Jacarepaguá. Tudo acertado, no Domingo de carnaval fomos nós de ônibus e a pé até ao clube. Confesso que estava pouco animado, até que percebi no meio do grupo uma menina, nunca a tinha visto antes, a curiosidade aumentando, descobri que era prima da Jane, namorada de um amigo, o Carlos, que era irmão do Paulo que namorava com a minha irmã, a Sílvia. Parecia até aquele poema do Drumond, sabe qual ? Aquele que fala de fulano que amava sicrano, que amava beltrano, enfim. Logo me apaixonei, nesta época, mais do que hoje , acontecia de me apaixonar assim de repente, e de forma platônica, arrebatadora e inexplicável.

        Passei a olhar bastante para ela, mas sem coragem de falar nada, queria me declarar, mas não conseguia, ficava assim admirando, olhando o seu rosto, observando os passos, os gestos, mas sem me declarar, e os dias passando. Arrisquei uns poemas, umas músicas do Fagner, porém sem arremate, sem nenhuma tentativa de abordagem direta, ficava assim, na insinuação. Lembro que era muito bonita naquela fantasia de saco de farinha de trigo, os cabelos negros, a pele muito branca. Passei os dias de carnaval nesta angústia, sempre pensando, é hoje eu me declaro, mas faltava coragem, a timidez era maior.

        Um dia dormi, e o pessoal me pintou a cara de carvão, acordei com todo mundo rindo, até ela sorria, e iluminava a noite, seria esta a oportunidade, mas faltou aquele toque final, lavei o rosto do jeito que deu, mas nada de aproximação. Realmente não sei se ela percebeu alguma coisa, achava que também me olhava, mas nada aconteceu, o último dia de carnaval foi o mais triste, era a última oportunidade, mas não aconteceu, terminou a festa, e a paixão ficou apenas como uma bela lembrança depois de 26 anos de um carnaval, o último que brinquei, depois os outros sempre foram longe da cidade ou quando ficava no Rio, era em casa descansando. De uma maneira insólita foi o carnaval inesquecível, o carnaval que me apaixonei por uma menina tão linda em sua fantasia de saco de farinha e de cabelos tão negros.
 

PS: A Jane casou com o Carlos, minha irmã casou com o Paulo, eu também casei duas vezes com pessoas que não faziam parte do grupo, a menina nunca mais encontrei, o nome eu lembro, ficou apenas aquela imagem bonita dos dias de carnaval, e uma nostálgica lembrança. Acho que foi melhor assim

Flávio Machado

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