O DIA DE SÃO NUNCA

Vocês já devem ter ouvido quem dissesse, com cara triste e tom desnorteado: "não tive sorte no casamento..." Sempre que ouço esta frase, fico pensando no que leva uma pessoa a se referir a uma relacionamento a dois como um jogo de azar em que o destino — fatal e inexorável — dispõe a seu bel-prazer da vida das pessoas, estragando o mar de rosas talvez por mero capricho.

Há outras modalidades de eximir-se de qualquer responsabilidade: quando o casamento vira uma solução, uma justificativa, uma instituição, um golpe (do baú) um fim em si (de procriação, por exemplo), um paliativo (para a solidão), uma aventura. Naturalmente todos são vítimas, quando o investimento (financeiro ou emocional) não dá certo ou não o retorno pretendido. Na última década, os casamentos por interesse cresceram muito e os por amor escassearam tanto que já aparecem em filmes e novelas quase como ficção nostálgica de um "tempo bom que não volta mais", em que se acreditava neles.

Para as mulheres que consideram a união tradicional como um "mal necessário", o casamento (com a respectiva certidão — comprovante de validade) é o principal papel de suas vidas: dá-lhes status, confiança e aparente segurança social, mesmo que, para isto, a maioria se esfalfe de trabalhar a fim de conservar esta imagem de aparente perene felicidade. Outras, se rebelam, em termos: nos Estados Unidos, uma brasileira que teve de largar sua vida profissional em função do casamento para cuidar de seus dois filhos pequenos, ganhou na Justiça americana o direito à aposentadoria, como qualquer doméstica. Ela alegou que esta função — cuidar da casa e das crianças — lhe exigia tempo integral; e a expressiva cena que ilustrava esta afirmativa era a de um lindo menininho rindo, munido de um prato e uma colherzinha, todo feliz por estar "brincando" com a papinha: brincadeira que fazia "voar" comida pela cozinha toda e que representava, para a mãe, ter de limpar tudo, a cada refeição...

Não sei que conseqüências psicológicas este ato pode acarretar na cabeça de uma mulher que assume o papel de doméstica dentro de seu próprio casamento, para ressarcir-se dos seus "projetos de vida" abandonados. De qualquer forma, acho eloqüente que este processo tenha sido intentado por uma brasileira, em um país estrangeiro. Aqui, muitas têm jornada dupla de trabalho, mas jamais se queixam. E por trabalharem demais, muitas vezes não conseguem tempo nem para si mesmas nem para os filhos, criados por outros (babás, professores, psicólogos, etc.). Há um texto que circulou em uma das listas que participo muito bem humorado sobre o assunto. Diz a mãe para o filho:

— Acampar? De jeito nenhum! Você só tem 7 anos.
— Tenho 15, mãe.
— Mas já?! Não é possível! Tem certeza?
— Absoluta. É que nos meus últimos aniversários você estava trabalhando e esqueceu de ir.
— Esqueci, não. É que caíram em dia de semana. Se tivessem feito como eu sugeri...
— Você sugeriu que mudassem o dia do meu aniversario pra todo segundo domingo de maio.
— Exato. No Dia das Mães o patrão me dispensa e o seu pai nos leva para almoçarmos juntos fora. Tudo perfeito.
— Papai contou que vocês se casaram neste dia e que você trabalhou... durante a cerimônia.
— Eu só assinei uns documentos enquanto o padre falava. Ele nem percebeu.
— E em vez do vovô... você entrou na Igreja de braço dado com o contador!
— Claro! O balanço da firma era para o dia seguinte!
— E a lua-de-mel...
— Tá. Eu não fui. Mas mandei o boy do escritório me representando. Seu pai no começo resistiu, mas acabou aceitando.
— E quando eu nasci? Qual é a desculpa?
— Desculpa por quê? Você nasceu como qualquer criança.
— Nasci numa mesa de reuniões!
— Era numa reunião de diretoria! Não podia sair assim, só porque a bolsa estourou. E você devia se orgulhar! Foi o presidente de uma grande multinacional que fez teu parto.
— Já sei. E a secretária cortou meu cordão umbilical com o clipe.
— E o rapaz do xerox te amamentou. Sorte que ele tinha muito colostro...
— Não brinca. Fiquei traumatizado.
— Eu fiquei. Você nasceu em cima de uma papelada importante. Quase perdi o emprego...
— E quando você foi me pegar na escola pela primeira vez? A vergonha que eu passei...
— Eu só estava com medo de não te reconhecer... Não te via fazia um tempinho...
— Tive que segurar um cartaz, que nem parente desconhecido em aeroporto, escrito: "Eu sou o Thiago".
— Thiago? Foi esse o nome que eu te dei?
— Que a moça do cartório me deu!, quando completei oito anos e consegui ir sozinho a um tabelião. Fiquei sem nome durante oito anos! Oito anos sendo chamado de pssit!!
— Pssit. Até que não é feio!
— Tudo por causa dessa porcaria do teu trabalho! Faz uma coisa. Pra provar que você quer mudar, vem acampar comigo.
— Por quê nós não acampamos lá no meu escritório? Do lado do fax tem um espação. E umas samambaias artificiais. Posso contratar algum estagiário para ficar coaxando pra gente.
— Pára de brincar. Larga tudo e vem comigo.
— Bom, se você tá insistindo tanto, eu... Então tá. Eu... tudo bem, eu vou.
— Jura? Ótimo! Você vai adorar!
— Ah, difícil pensar em programa melhor. Aquelas árvores, aqueles macacos guinchando, aquelas aranhas bacanas.
— Então está tudo certo.
— Só preciso saber assim, de um detalhe. A respeito do mato. Uma besteira.
— O quê? Se o mato tem mosquito? Se tem cobra?
— Não. Se o mato tem tomada.

Piadas à parte, há categorias profissionais que nunca têm feriado: aquelas que prestam serviços básicos, considerados essenciais para a comunidade. Por isto, neste Primeiro de Maio, saúdo as mulheres que, à força e por força do casamento, se tornaram rainhas-do-lar, soberanas de um reino que custa muito (em todos os sentidos) conservar ordeiro, limpo e arrumado e organizado, precisando para isto, muitas vezes até, ser mantido às expensas de outro emprego — este, remunerado. Para elas, e para todos os trabalhadores explorados, uma reflexão de Sartre, neste Dia do Trabalho: "Metade vítimas, metade cúmplices, como todo mundo".

Leila Míccolis

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