Uma Copa do Mundo faz-se de ritos.Não tanto para aqueles que  a disputam, que jogam. Esses apenas repetem o seu dia-a-dia em  trajes de gala.Mas sobretudo para os que a assistem: nós, os  torcedores. Sem ritos, a Copa não tem a menor graça. Vai-se a  emoção.

            Assim, o dia do jogo começa na noite da véspera. Quando  já não conseguimos dormir direito, preocupados em como será  trabalhar durante a partida. Ou como sair do trabalho e chegar ao  local combinado a tempo. E haja insônia.

            No dia propriamente dito, há que começar cedo. Deixar as  cervejas no gelo, preparar tira-gostos , faixas e bandeiras. Verificar  se aquela camisa da sorte está devidamente lavada e pronta a ser  usada. Que não pode haver surpresas na hora do jogo. Disso  encarregam-se os adversários.E se, tudo der certo, voltar ao local  combinado, casa ou bar, pelo menos uma hora antes do início da  partida. Este é um ponto de fundamental importância. Porque urge  tomar uns chopes antes do jogo. Ou batida, caipirinha, o que mais  agradar. Desde que tenha álcool.Por que? Porque na Copa do Mundo,  há que ser um tanto inconseqüente, ilógico, incongruente.

            Senão vejamos.

            Se você é um fanático por futebol, daqueles  que entende de técnica e tática, como estando  absolutamente sóbrio e lúcido, poderá torcer  contra uma equipe que joga por música como a  Argentina, por exemplo? Ou como apoiará  Vampeta, achando-o mais competente, bravo e  brilhante que Hierro ,que além de tudo é  lindo? Ou que Lizarazu ou Di Livio ou Pires  ou Petit ? Pelo menos poderá torcer sinceramente por Ronaldinho, gaúcho, é claro. Que para o outro Ronaldo será necessário  tomar mais alguns goles antes de compará-lo,  e considerá-lo à altura de Vieri, Veron,  Batistuta, Figo, Zidane, Cláudio Lópes, Henry  e Trezeguet. Só pra citar alguns. E  demonstrar a magnitude do problema. E ainda,  com ou sem álcool, imprescindível será  desejar ardentemente que Rivaldo desencante e  jogue como no Barça. Tomara. Melhor parar por  aqui a menos que queiramos tomar um pileque  antes de cada jogo.

            Se, por outro lado, você é mulher,  mesmo que entenda do traçado, fanaticamente  verde como eu, como poderá sóbria, conter-se  ante os deuses italianos e espanhóis? Para  citar apenas duas espécies. Porque muitos  outros hão de enfeitar as telas das TVs. Só  pra relembrar o tamanho do esforço, ou da  loucura: como torcer contra Vieri, Maldini,  Veron, Batistuta, Figo, Raul, Del Piero,  Hierro e Beckman, em favor de Cafu, Roberto  Carlos, Dida, Juninho , Gilberto Silva e  companhia? Difícil, não? Melhor para aquelas  que nada entendem de futebol e sentam-se só  pra acompanhar os namorados, conversar e curtir a saga dos deuses estrangeiros. Estas  são as bem-aventuradas!

            Se tudo der certo, na hora exata do jogo, o  clima estará perfeito e a paixão e o  patriotismo, quase sempre bissexto, falarão  mais alto. E aí, ou você delira e quase chega  ao orgasmo naquele gol mágico ou enfarta no  pênalti perdido. Porque não há meio-termo  possível numa Copa do Mundo. Ou se joga  maravilhosamente ou se é péssimo! Ou se  ganha ou se é um desastre. Tudo faz-se de  superlativos.

            Então, suponhamos que tudo correu  conforme o figurino. O jogo foi ótimo. A  seleção fez jus ao quatro títulos que possui.  Venceu. Vencemos. Há que comemorar. Sair pra  rua. Rir e cantar. Até não mais poder.Depois,  voltar para casa, exaustos, e dormir.

            Voltemos agora ao mundo real. Hoje,  poucos dias antes da Copa do Mundo do Japão e  Coréia.

            Sinceramente, você pode se imaginar  torcendo a seco e de manhã cedo? Porque todos  os ritos serão abolidos. Como um carnaval sem  maracatu nem frevo. Talvez apenas com um  sambinha de leve. Sem turma, chope ou
tira-gosto.Pior, a tempo de ir trabalhar  assim que o jogo acabar.

             Tem sentido uma coisa assim?

            Donde, podemos concluir que esta será uma  anti-Copa. Uma temporada no inferno para nós  deste lado do mundo.

            Coisa mais sem pé nem cabeça, jogo de  madrugada!

            E ainda agüentar Galvão Bueno dizendo que  a Coréia é o país do futebol. Como a Malásia.

            Pior que isso só se a Argentina for campeã.

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