Crônica em estado ou Crônico 07 ou Algumas questões ecológicas e outras discussões

        Andando pela Rua Buenos Aires, Centro do Rio, desviando dos camelos, percebo que aumenta a cada dia a venda de "veneno" para combate a ratos, é um troço chamado de chumbinho, vem em uma caixa amarela com uns estranhos desenhos chineses, e aqueles caracteres que não parecem escrita de gente. O que mais espanta é que estão oferecendo esses "venenos" a luz do dia na mesma Rua que abriga o Crea, um órgão que poderia estar fiscalizando esse comércio ilegal.

        O chumbinho na verdade é uma ponta de um grande icberg, e apenas um pequeno indicador, os estragos são bem maiores. Existem regulamentos, normas, leis que determinam que os chamados "venenos" sejam vendidos apenas com receita agronômica, pois bem, essa é outra lei que não pegou, outra lei com o destino traçado de ser desrespeitada. Aqui no Rio e em outras cidades qualquer cidadão compra nas lojas de produtos agropecuários, sem restrição, "venenos" dos mais aos menos perigosos, e muitas das vezes apenas respondendo a alguma propaganda, sem nenhum acompanhamento profissional.

        Para ilustrar duas situações que presenciei: A primeira foi em Angra dos Reis, executávamos serviços de manutenção de vilas na Usina Nuclear, e entre as atividades existia a capina de servidões, como técnica e forma mais econômica e eficiente, utilizávamos a capina química, usando herbicidas de forma controlada, eles eram vendidos em embalagens de 01 (um) litro. Tínhamos caminhões alugados e outros próprios, o pagamento da locação era minha responsabilidade. Um dos motoristas tinha alugado uma casa em uma vila fora da área da Usina, em um local chamado de Perequê, vez por outra fazia o pagamento da locação, na casa do motorista, chamava-se Antônio, cheguei na varanda, Antônio me convidou para entrar, estava muito quente e pedi um copo de água, tomei um susto quando vi o recipiente que estavam usando para colocar a água, era nada mais nada menos que uma embalagem do herbicida, revoltado com tamanha irresponsabilidade tomei a garrafa da mão do Antônio e joguei porta a fora, e perguntei se ler queria matar a família dele toda, olhou-me surpreso e falou que não sabia que havia problema de reaproveitar as embalagens, deste dia em diante a ordem foi de destruir estas embalagens, nesta época não havia preocupação por partes dos fabricantes para resolver a questão do destino final das embalagens, hoje existe algumas fábricas que orientam neste sentido, e até recolhem o recipiente vazio, de acordo com o volume consumido.

        A segunda quando ainda estava na Universidade Rural, havia um campo de experimentos para fruticultura e horticultura, destinado a testar novas inseticidas, visando verificar a eficiência de combate e o efeitos que poderiam trazer ao homem, durante o tempo que estudei na Universidade, nenhum dos experimentos chegou ao final, era tudo roubado, pela população vizinha, não adiantando os avisos de perigo. Os venenos testados ainda não estavam sendo comercializados, os efeitos eram uma incógnita. Como atitude radical colocaram um segurança armado, e acabou por um dia surpreender um rapaz roubando as hortaliças, quando foi questionado sobre os avisos de veneno, desdenhou e disse que não fazia nenhum mal consumir os produtos, uma vez que no máximo iria causar um dorzinha de barriga, devo registrar que a Universidade está localizada até hoje em Serópedica que na época era distrito de Itaguaí hoje emancipado, trata-se de uma região pobre, e as pessoas preferiam arriscar a ter uma dor de barriga do que passar fome.

        Estes relatos são apenas para exemplificar a importância do assunto, quantos agricultores morrem contaminados por ano, quantos ficam com seqüelas, mas medidas simples como restringir a venda não são praticadas. Falta conscientização, falta esclarecimentos, falta campanhas, mas enquanto isso assistimos a programas cada vez mais imbecis nos canais abertos de televisão, programas que nada acrescentam, empresas de comunicação utilizando de forma totalmente descompromissada uma concessão que é publica, poderiam estar engajados em campanhas educativas alertando para os perigos de usar "venenos" sem a devida orientação, no entanto valorizam a vulgaridade na busca antiética de ibope.
 

PS : Nunca mais tive notícias de Antônio e de sua família, os venenos continuam sendo vendidos e utilizados sem acompanhamento, assim como morrem agricultores até hoje, e permanece o ciclo de migrações internas, com famílias sendo expulsas das áreas rurais, aumentando as favelas das grandes cidades, criando cada vez mais dificuldades na ordenação do uso do solo urbano, mas isto é outra história.

Flávio Machado

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