Um livro

E, talvez, um dia, eu escreva um livro sobre isso...

Sobre como são loucas as relações entre as pessoas, e como são pobres e mesquinhas as suas vidas.

E de como elas se tentam ludibriar a si mesmas, e nem em seus sonhos se permitem ver como realmente são:

Patéticas, torpes, frágeis...

De como se subordinam e se enquadram, vivem a vida que outros a mandaram viver, são o que interessa aos outros, acostumam-se as personagens que criam para si próprias; passam a crer nelas: enlouquecem (pois se isto não é loucura, eu não sei o que é !).

Sempre procurando contemporizar, não polemizar, não debater, aceitar, deixar pra lá, não esquentar...

Para que é que se vive então, meu Deus!

De quem é a vida afinal?

Mediocridade e hipocrisia: é tudo o que vejo.

Covardia, conformismo, subserviência, ignorância, preconceito, arrogância.

Que patetada!

A vida seria mesmo uma grande comédia se não fosse uma bestial tragédia.

Com a religião a culpa; com a política o oportunismo; com as instituições a locupletação própria; com a cultura o ranço.

Como alguém pode se considerar normal vivendo como se vive?

Com interesses contrariados, infeliz, sem fazer o que gosta, sem estar com quem ama, sem falar o que pensa.

Como isso é possível?

Que loucura, que transe coletivo é esse?

Terra em transe!

A alienação de bilhões de almas, a extinção de igual número de consciências.

Um mundo habitado por gado bípede.

Porque eu tenho que tratar bem um sujeito que, eu sei, tem o caráter de um cinzeiro, e chamá-lo doutor, e fazer mesuras, e dar bom dia quando o meu dia está uma grandessíssima bosta?

Mas não; o maluco sou eu!

Eu sou o maluco que não entende que as coisas “são como são”, que “Deus há de prover”, e “vamos tocar o barco que podia ser pior”.

Mas eu não posso mesmo reclamar de nada. Sou mais uma cabeça no curral, mais um covarde que vai se deixando guiar para a derradeira marretada na nuca, que vai me dar um sono bom, gostoso, eterno, e eu não vou nem sentir.

Espero nem sentir...

Espero que, chegada a hora, tudo seja rápido, indolor e acéptico.

Como esta vida.

Alejandro da Costa Carriles

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