UM BALANÇO FINAL

Durante o período da campanha eleitoral, primeiro e segundo turnos, fiz algumas observações, algumas anotações, que quero agora comentar. Durante os debates na fase pré eleitoral do primeiro turno, o candidato do governo algumas vezes queixou-se de que ele enfrentava, digamos assim, três adversários.

Em primeiro lugar, isto era o óbvio. Em segundo lugar, quando reclamava que os três o pressionavam, como que “batiam” nele, ora, afinal os outros candidatos haviam sido lançados por partidos de oposição ao governo que ele, querendo ou não, representava. Como esperar que agissem diferente?

Eu até afirmaria que não eram propriamente três contra um, mas quatro. Sim, quatro, pois o próprio candidato do governo evitava polemizar com Lula, já que este estava com uma vantagem muito grande em primeiro lugar nas pesquisas. Isto foi muito evidente e acabou dando a Lula, segundo a mídia, a vitória nos debates.

José Serra partiu para cima daqueles que o ameaçavam estar presente no segundo turno. Alias, este tinha mesmo que ser o seu objetivo àquela altura. Discordo porém de métodos usados, tanto contra Roseana Sarney, como, e principalmente contra Ciro Gomes. Este, até por seu temperamento, acabou caindo na esparrela e colaborando muito para que seus eleitores migrassem para outros candidatos.

Ainda no primeiro turno, quando Garotinho se aproximou do candidato do governo, este não hesitou em virar contra aquele as suas baterias. Atacou também a Garotinho. Ele atacava e recebia o troco, o que era natural, portanto nada tinha do que se queixar, já que escolhera aquele caminho desde o começo da campanha: agredir.

Iniciada a disputa para o segundo turno,  Serra passou a criticar e a bater com muita força no fato de Ciro Gomes, e também Garotinho, terem decidido apoiar a Lula, o que era mais do que natural. Repetiam cansativamente, à exaustão, no rádio e na Tv,  mensagens onde tanto um quanto outro, no primeiro turno, faziam certas críticas à candidatura de Lula. Ora, ora, meus amigos uma grande bobagem. O PT não fez porque não quis, mas poderia ter usado imagens do próprio Serra, junto com FHC, apoiando entusiasticamente a Lula em 1989, no mesmo palanque.  E aí?!

Aliás, aquelas imagens antigas, se também repetidas com freqüência, viriam contestar claramente as tais “acusações” que tanto fizeram, especialmente o candidato do governo, alegando que Lula não tinha experiência para exercer a Presidência do Brasil. Até alguns colunistas da grande imprensa  repetiram este argumento.

Bolas, me expliquem que eu só quero entender, certo? Agora, no ano 2002, eles consideraram o candidato do PT incompetente, e o próprio partido, um perigo se chegasse ao poder. Isto foi dito mais do que claramente quando andaram até a fazer comparações estapafúrdias com outros governos estrangeiros. Muito bem, mas no ano de 1989, campanha vencida por Fernando Collor, eles pensavam diferente, é isso?

Afinal, da forma como trabalharam pela vitória de Lula e do PT nas eleições, repito, de 1989, eles, naquele ano, consideravam o candidato competente e o partido não representava nenhuma ameaça, é isso? As eleições também eram para Presidente da República! Isso foi de uma incoerência tal que poderia ter sido bem explorado, mas que o PT não usou.

Posteriormente, com aquele episódio da declaração da atriz Regina Duarte, depois repetida pela atriz Beatriz Segall, algumas pessoas saíram a fazer ácidas críticas ao conteúdo das referidas mensagens por elas lidas. Também reprovei, mas devemos reconhecer que elas tinham o direito de o fazer. Por mais que discordemos das palavras e do sentido delas aplicado nas mensagens, democraticamente não lhes poderíamos recusar o direito da livre expressão. Claro.

Recordo, entretanto, que o próprio Presidente Fernando Henrique, no dia 14/outubro, falando no auditório, lotado, da CNI, “desaprovou a tática do terror econômico e da insegurança”, inaugurada na noite anterior pela atriz Regina Duarte, no programa dos tucanos. (Vide Revista ISTO É, nº 1725, de 23.10.2002, à página 35). Ninguém poderá dizer que FHC fazia... “patrulhamento ideológico”, pois não?

Para mim, porém, preferi guardar o silêncio, a postura correta, e sempre muito digna, de alguns verdadeiros monstros sagrados da arte cênica brasileira e internacional, entre eles Paulo Autran e Fernanda Montenegro, que teriam declarado seu voto para o candidato Serra, todavia jamais se acumpliciariam a qualquer ato, a qualquer procedimento, a qualquer conduta que arranhassem o sentido da ética, ou deslizassem pelo gosto duvidoso e mal intencionado da insinuação maliciosa e, por isso mesmo, imprudente ou leviana. A eles os meus aplausos.

Não tenho nenhuma dúvida que os erros no governo começaram com a escolha do candidato. Ele nem sequer era o preferido de todos no PSDB, muito menos nos partidos, ainda ditos aliados. No mais, a condução dos programas de Serra, a meu ver, foi bastante equivocada. Acabaram conseguindo que ele obtivesse, no segundo turno, o maior índice de rejeição já alcançado por um candidato em eleições brasileiras: 52,5%. (Pesquisa ISTO É/CNT/Sensus, realizada entre 14 e 16/outubro)

Antes de começarem os programas eleitorais, no rádio e na Tv, Serra tinha um índice de rejeição bem menor que aquele. Como explicar isso com outro argumento? Ao terminar o primeiro turno, Lula vencera em todas as regiões. No segundo turno isto se repetiu. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a vitória de Lula foi esmagadora: 80% contra 20% de Serra. No Ceará, terra do “aliado” Tasso (PSDB), Serra obteve ridículos 8% dos votos, no primeiro turno.

Observei que com a insistência, com a teimosia dos encarregados da campanha de Serra em fazer agressões gratuitas a Lula, no segundo turno, em usar pessoas a dizer coisas para assustar, para amedrontar um povo que já anda mais do que assustado com a violência, com a fome, com a miséria, com o desemprego brutal, com os altos juros, com a saúde pública precária, com o ensino deficiente, com a estagnação do crescimento, mais José Serra via a chance de vitória se desvanecer.

A cúpula da campanha de Serra, entretanto, continuava acreditando que os ataques no horário eleitoral seriam capazes de infligir danos em Lula, mas o que se continuou a ver foi justamente o contrário. Danos houve sim, e irreversíveis, mas para o candidato do governo. Usaram uma “estratégia” nada inteligente sem perceberem sequer que no primeiro turno o povo já demonstrara sua insatisfação com quem insistia em manter um nível baixo no horário eleitoral.

Aquelas chamadas no rádio e na Tv, também repetidas demais, à exaustão, perguntando se o Lula não ia mesmo aos outros três debates, certamente levou muita gente a desligar seus aparelhos por momentos. Desculpem, mas era mesmo uma chatice, uma coisa monótona, entediante, maçante. Tanto repetiram: “E aí Lula, você não vai? O Serra vai...” que o candidato do governo acabou indo..... Para onde? Ora, cada um use a sua imaginação, mas respeitosamente, hein?!

Se desde o princípio o povo demonstrou insatisfação com o governo e deixou claro que desejava mudanças, dando ao Serra apenas 23% dos votos no primeiro turno, faltou ao candidato e aos que comandavam sua campanha, sensibilidade, perspicácia, acuidade para realmente tentar virar um jogo quase impossível de vencer. Optaram por pisar no acelerador da arrogância, da agressividade, da hostilidade, e acabaram mesmo derrapando e capotando na sua própria inabilidade.

Desculpem, mas na minha visão, faltou àqueles senhores, no traçar a estratégia, para além do que acima refiro, aquilo que tanto cobravam do candidato Lula: competência. Por outro lado, o presidente FHC, que no primeiro turno se mantivera numa certa neutralidade, se posso dizer assim, no segundo abusou da falta de coerência. O jornalista Mino Carta, na edição 212, de 23.10.2002, em “Carta Capital” definiu bem aquela “incoerência digna de grande perplexidade”:

“Um dia ele diz que Lula nada sabe, no outro admite que sabe alguma coisa. Um dia diz que Lula é uma espécie de robô do fanatismo do Apocalipse, um autômato do milenarismo, e no outro diz que os petistas adotam o mesmo discurso do candidato do governo.” E mais adiante afirmava Mino Carta: “Se José Serra está em dificuldade não é porque a nação virou petista. Em primeiro lugar é porque o governo fracassou.” Isto também foi uma verdade.

Mas, que  sirva de lição para as próximas eleições: nosso povo já cansou de futricas, mexericos, impertinência, intrigas, fofocas de qualquer natureza. Que os próximos candidatos tratem com seriedade do que é seu dever e responsabilidade: apresentar projetos de trabalho, programas, demonstrar conhecimento e domínio dos aspectos que envolvam  o cargo que pleiteiam pelo nosso voto. Que respeitem a inteligência e a paciência de nossa gente.

Francisco Simões