O FORASTEIRO

Ele entrou no bistrô demonstrando certeza de que seria admirado pelas mulheres presentes. Não contava, porém, que aquela hora só estavam as damas da melhor idade para o chá da tarde com as amigas.
Da minha mesa eu o observava. Estatura mediana, moreno cor de jambo, feições belas, lembrando os totens peruanos ou bolivianos. Elegantemente trajado, em plena moda, surpreendia, pois ostentava vistosas jóias em ouro, como um grande anel, pulseiras, relógio de pulso, além de dois símbolos na lapela que não identifiquei o que fossem.
Deu uma volta pelas mesas mas meu olhar magnetizou-o, pois sentou-se em mesa defronte a minha. Sorriu simpáticamente porque percebeu que  eu o observava .
Quem seria? Um político latino-americano? Um grande empresário? um profissional liberal famoso? um traficante? (afinal, com todas aquelas jóias...).
Sorri... Esta  última hipótese pareceu-me absurda, pois ele tinha um ar sereno de quem sempre estivera   bem com a vida, a exalar tranqüilidade! Teria entre os quarenta e cinco a cinqüenta anos ou pouco mais...
Atendia o celular com freqüência e  respondia sorrindo.
Imaginei que pudesse estar de passagem por Porto Alegre em aventura clandestina. Estaria "ela" no cabeleireiro aprontando-se para seguir viagem ou nas lojas fazendo compras? Certamente deveria ser muito bela e jovem... Nosso observado não estaria tão saltitante e feliz se fosse com a "legítima"...
O forasteiro estava tão seguro de si que ninguém duvidaria de que tratava-se de alguém poderoso.
Quando o pianista do Bistrô tocou "Amigos para sempre", sorriu largamente, acompanhando a música com leves movimentos de cabeça. Pediu uma tônica com limão e observava atentamente o ambiente, parecendo satisfeito com o que via. Talvez estivesse a lembrar  algum bistrô europeu... Cuidava as horas como quem estivesse com compromisso inadiável e ao partir, sorriu e acenou-me levemente, pois  percebeu que o desenhava.
Então, tive a certeza de que naqueles breves instantes, fiz parte de sua vida e de suas lembranças. Quem sabe eu tivesse roubado um pedacinho de sua alma? Sei lá...
Desde os tempos imemoriais, os artistas foram apontados como " bruxos", pois ao pintarem ou desenharem alguém acreditavam que roubavam-lhe a alma...
O certo é que o forasteiro aqui está no desenho que fiz e parece-me tão familiar... Tenho a impressão de que neste exato momento eu o escuto cantarolar  "Amigos para siempre"...

Texto e desenho em flagrante aquarelado de Tenini