O estrangeiro

No subúrbio  onde vivi minha infância, pairava mistério. Numa casa que tinha presa à porta a imagem de uma asa em louça branca, vivia um cidadão estrangeiro que se chamava Edward Home. Vivia solitário.
Saía apenas nas noites de sexta-feira. Essas noites eram por si só apavorantes, pois após as vinte e três horas começávamos a  ouvir os uivos que pareciam vir exatamente do local da residência de Mr. Edward.
Certa noite, eu e meu irmão decidimos ficar espreitando por uma fresta da janela, a saída dele.
Observamos que usava um sobretudo um tanto fofo na altura das omoplatas. Tinha um chapéu grande que cobria quase todo o seu rosto, mas sabíamos que era ele, pelo  seu andar, sempre rastejante. Não levantava os pés.
Ao chegar a esquina, onde tinha uma ponte, ele tirou o sobretudo, e estupefatos, vimos o homem voar. E o uivo vinha crescente... Compreendemos então que não vinha de sua residência mas se tornara uno com a atmosfera do bairro.
Continuamos, trêmulos, esperando seu regresso.
Quando passou, por azar, Toffy, nosso cãozinho levantou as orelhas, saiu correndo e começou a latir em direção a ele. Mr. Edward, então já próximo à  nossa casa, arreganhou sua boca e com seus caninos pontiagudos abocanhou pedaço de Toffy, e saiu voando.
Toffy foi levado à  uma clínica e foi constatada  a presença da toxina botulínica nele. Explicamos tudo aos veterinários. Falamos com os repórteres, mas disseram que era tudo fantasia. Coisa de criança. E não deram importância ao fato.
Após o ataque a Toffy, que morreu uma semana depois, Mr. Edward desapareceu e nunca mais ouvimos falar nele.
O pior de tudo é  saber que nada é ficção.
Eu podia ter onze anos,  mas lembro como se fosse ontem....
E o caso ficou como mordida de cobra.

Belvedere

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