O último baile

Esther vinha preparando minuciosamente seu encontro com Felipe em pleno baile da Ilha Fiscal. Seu vestido, em renda e pedraria, certamente nada ficaria a dever às mais ricas senhoras que compareceriam ao evento. Além disso, sua formosura era imbatível.

Jovem, longos cabelos negros contrastando com a tez clara, lábios rosados e dentes que se assemelhavam a um colar de pérolas! Assim era descrita sua beleza.

Nos últimos tempos, seu marido, Abílio, que trabalhava com vendas, começara a viajar além do habitual, e, seu cunhado Felipe, passara a lhe dar atenção especial para que nada faltasse.

Como não tinha filhos, a depressão de vez em quando cismava em se instalar. Ele, solícito, levava-a a passear quando conversavam sobre literatura e música. O relacionamento a cada dia se estreitava mais. Um desconforto começou a surgir entre ambos, aparecendo em forma de taquicardia e sudorese, até que constataram que era amor. Aí residia o perigo; Felipe era seu cunhado e irmão mais velho de Abílio.

Quando sentavam próximos, tentando aconchego, vinha Sebastiana, a serviçal, com aquele olhar de "sexto-sentido" .Logo eles se afastavam.

A idéia da ida ao baile, na Ilha, havia sido de Felipe. Depois de saber da grandeza do evento, Esther não relutou.

No dia nove de novembro, ambos rumam numa barca com destino à Ilha, após grande sufoco. Era grande a quantidade de pessoas, no local, querendo embarcar, Esther simulou um desmaio, e, foi assim que conseguiu partir antes do previsto. Ainda a caminho, ouvia a banda do Arsenal de Guerra que tocava alegremente.

O baile começou às 23 horas. Vivendo doce sonho, Esther e Felipe dançaram ao som das mais belas músicas. Trocaram juras de amor, não se importando se estavam ou não sendo observados.

Passearam pela Ilha, degustaram muitas das maravilhosas iguarias servidas e retiraram-se ao amanhecer. Plenos de paixão.

No dia 15 de novembro, exatamente seis dias após o baile, foi proclamada a República. Com ela ,a vinda de Abílio...

Esther sofre, pois não suporta o cheiro almiscarado de Abílio, aquele riso sardônico, aquele ar aristocrático. Começa a chorar até que Sebastiana chega e diz que de Abílio, ela, a esposa, nada sabe, e narra-lhe a realidade que se esconde atrás das viagens.

Havia exatamente um ano que ele tinha um caso em Minas Gerais com Túlio, um jovem de família tradicional na cidade. Sebastiana trabalhara próximo à casa dele e cansava de vê-los juntos sem se darem conta do falatório de cidade pequena do interior.

Essa notícia dá vigor a Esther. Começa a pensar no que fazer quando, dois meses depois , descobre-se grávida - de Felipe, pois Abílio era estéril.

Uma idéia maquiavélica toma conta dela.

Chama Abílio e fala sobre Túlio. Ele nega e ela ameaça ir à cidade. Ele assume o caso e diz que não o deixará; era tudo que ela desejava ouvir.

Então ela faz a sua proposta, que podia ser indecorosa, mas era sincera: convida-os a vir morar com ela e Felipe ali na casa deles e deixa claro que, agora, era mulher de Felipe.

O jogo mudara!

Fala sobre a criança que espera; Abílio passa mal; é levado a um pronto-socorro e logo se recupera. Coisas de rapazote mimado.

E assim foi feito!

Três anos após, a família unida comemora o aniversário de Lia, que viera fazer companhia a seu irmão Pedro.

Harmonia plena. Abílio e Túlio tomam champanhe numa taça entrelaçando os braços, enquanto Esther e Felipe abraçam as crianças.

Um observador anônimo bateu a fotografia, que guardo entre as preciosidades deixadas pelo meu bisavô no seu baú de recordações.

Belvedere

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