Jô Soares, Livros e Caranguejos

            Tem coisas que acontecem na vida de uma pessoa que merecem ser registradas. Vou narrar alguns fatos, confidenciados a mim pelo sebista e amigo Abimael Silva, os quais aconteceram durante sua ida à São Paulo e, conseqüentemente, sua participação no Programa do Jô.

            Antes do embarque para a Cidade da Garoa, Abimael providenciou, bem cedinho na feira do Alecrim, duas cordas de “caranguejo uça” para demonstrar, durante a entrevista, como se escolhe, prepara e saboreia um bom caranguejo.

            Além dos caranguejos, o editor levou na bagagem seus livros e a história do Sebo Vermelho. Superando o medo de avião, Abimael voou em direção ao estrelato global, ficando hospedado num hotel de alta categoria, enquanto esperava a hora da entrevista.

            Na primeira manhã em Sampa, o sebista ficou aguardando o desfecho dos acontecimentos dentro do hotel, enquanto um carro, tipo “Besta” com motorista, ficava a sua inteira disposição para circular na paulicéia desvairada. Por um descuido circunstancial, Abimael não aproveitou a mordomia e só foi perceber a gafe ao entardecer, quando telefonaram da produção do programa para que ele comparecesse aos estúdios da Rede Globo.

            Abimael botou a caixa, onde levava os caranguejos, debaixo do braço e dirigiu-se para a fama. Todos da produção perguntavam pelos crustáceos, incrédulos e curiosos. Para alguns paulistas, os quais não conheciam essa iguaria litorânea, aquela visão seria inesquecível – caranguejos vivos!

            A produção levou o sebista e seus “carangas” para a cozinha maravilhosa de Ana Maria Braga, onde havia toda estrutura para preparar o prato, o qual seria mostrado e apreciado no Programa do Jô, logo mais à noitinha.

      Naquela sofisticada cozinha, Abimael encontrou tudo que precisava, inclusive uma horta com cebolinha, cheiro-verde, pimentão e outros temperos... todos fresquinhos e colhidos na hora.

            Na entrevista para todo Brasil, nosso herói falou das suas irmãs freiras, sua vida como bancário, a passagem por uma loja de disco e disse como disponibilizou sua biblioteca particular para dar inicio ao Sebo Vermelho.

            A entrevista mostrou que o apresentador Jô Soares não conhecia as obras de Câmara Cascudo, o maior folclorista brasileiro e, ainda desconhecia que o mestre havia nascido em Natal.

            Abimael apresentou alguns livros de sua produção editorial, que conta com mais de cem títulos publicados de autores potiguares. Entre outros livros e autores citados, o destaque foi para o livro de poesia “69 Poemas de Chico Doido de Caicó”, organizado por Moacy Cirne e Nei Leandro de Castro.

      Folheando o livro, Jô deparou-se com o poema número 31, na página 52, e leu, em alto e bom som, para milhões de brasileiros: “A noite está mais escura / Do que os pentelhos de Dona Laura”. A risada do baiano Bira ecoou no estúdio e a platéia fez um burburinho danado.

            O apresentador perguntou discretamente sobre um livro que Abimael Silva está escrevendo sobre caranguejos. E pronto! Nada mais relevante foi comentado sobre os crustáceos. Jô Soares não levou em conta a odisséia percorrida pelos pobres caranguejos até chegarem ao seu programa. Esses nobres animais marinhos foram deixados de lado pelo simples pecado em andarem “de lado”, como aranhas.

            No final da entrevista, Abimael e Jô protagonizaram uma cena de beijo, um carinho corriqueiro que o apresentador faz em todos os seus entrevistados. Jô Soares ficou muito bem impressionado, terminou aquela conversa dizendo: “conversei aqui com essa pessoa extraordinária, Abimael Silva!”.

      Nos bastidores, o sebista teve a informação que os caranguejos haviam sido saboreados pela produção do programa e pelos integrantes do “Sexteto do Jô”.

      A frustração ainda lateja no peito daqueles que sabiam sobre a caixa de isopor que transportava caranguejos e, o prazer do sebista em demonstrar, naquele momento único, como deve uma pessoa apreciar um bom caranguejo.

      Desde já, deixo o convite feito para o leitor aparecer lá em casa, numa tarde de um sábado qualquer, e participar de uma verdadeira “caranguejada” – aquela que o Jô deixou de experimentar – feita pelas mãos hábeis de Abimael, regada com cachaça da melhor qualidade e cervejas deliciosamente geladas.

Alexandro Gurgel

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