Tempos beatos

Fui educado em ambiente carola, a casa, sempre visitada por sacerdotes amigos de meu pai. As famílias, de que provim, tinham, como era tradição,  padres entre seus herdeiros e uma freira. Eu mesmo estudei quatro anos e meio no seminário franciscano. Podia ter sido frade, bispo, cardeal. Papa não, embora  pudesse até merecer porque a Igreja Católica não dá essa colher de chá para sul americano. Vejam os leitores que grande dignitário a Santa Madre perdeu.

Na  infância, na juventude, havia o cão, havia inferno, havia pecado mortal. Um desses pecado era o sexo, praticado fora do casamento religioso. Levava o pecador direto para as chamas eternas, o território do Diabo que, aguilhão de ferro em brasa, catucava as ilhargas dos pecadores, submetidos a seu jugo.

Aliás, era férreo o controle social exercido pela Igreja Católica, do alto do púlpito em sermões inflamados pelo horror do pecado ou nos sussurros dos confessionários onde os padres tinham ascendência forte principalmente sobre as fieis de sexo feminino. A face sombria da religião era a da expiação permanente da desobediência de Eva. Os padres bradavam contra tudo o que significasse alegria, saúde, diversão, os bailes, as danças,o Carnaval, os filmes até os maus pensamentos. Só viam, na clientela,  pecadores a quem aguardavam crime e castigo. No meu tempo, para o sexo, só a zona, a prostituição que também  constituíam  pecado. Depois  o risco da gravidez o que, freqüentemente, levava os varões ao casamento, sob coação. Sem falar na vigilância dos pais e dos irmãos das donzelas. Não há mais nada disso. Há a pílula, a segurança dos motéis e os pais preferem saber com que filhos e filhas estão transando a policiar suas recreações.

O cidadão, que se desquitasse, perdia o direito a novo casamento. Sua mulher recebia tratamento semelhante ao de prostituta. Ele era o amancebado, alguém que vivia fora das leis cristãs.

No Seminário, os frades advertiam para a masturbação que podia levar à loucura, aqui na terra e ao inferno na outra vida. Hoje sabe-se que não faz mal à saúde, há até quem a recomende para evitar problemas de próstata.

E os padres?

Os pobres padres do meu tempo, se pecavam contra a castidade, precisavam ser um primor em matéria de dissimulação. Também com aquele chapéu eclesiástico, aquela batina negra, tudo ficava mais difícil. No momento atual, os sacerdotes não mais se distinguem de nós, pecadores. Nem pelas roupas que vestem nem pelos pecados que cometem.

Hoje em dia, o sexo é uma festa. Para todos. Morro de inveja da vida moça que a mocidade da atualidade leva.

E o Diabo? O inferno? Não se fala mais deles. A impressão é de que o primeiro não mais existe. E o segundo acabou talvez pelo apagão, pela falta de energia elétrica para manter aquela quentura toda.

A morte, um desperdício.

O cidadão (ou a cidadão) estuda, estuda, lê e quando se pensa qualificado, morre. Leva, para o crematório ou para o pasto dos vermes no cemitério, toda a sua cultura. Nem precisa ser um Einstein. O que sabe e nem precisa ser tanto podia dividir com os outros em aulas, livros, artigos, simples conversa. E vem um tempo em que isto é impossível. Não é certo. Acharia certo se pudéssemos guardar o conhecimento, que acumulamos em disco rígido, em winchester que deveríamos legar aos sobreviventes. Não este prejuízo de que falo e que lamento.

Já fui moço.

Vejo-me numa foto, ao lado de Armando Falcão e Wilson Roriz visitando o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que vinha de deixar o governo e se encontrava no Rio, no apartamento do cunhado Geraldo Lemos. Era 1961. Tinha eu de 22 para 23 anos.

Em 1970 - sou editor-chefe de Unitário e Correio. Na primeira viagem a Portugal, surpreendo os interlocutores quando Manuel Dias Branco fala de meu posto e de minha idade. Já fui tão moço antigamente que valia a pena.

Lustosa da Costa

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