UM REENCONTRO

Há dias ele vinha sendo perseguido pelo passado. Não sabia a razão de querer ouvir as músicas da década de setenta, os filmes... um verdadeiro estado obsessivo.

Quando dentro daquele ônibus rumava para o trabalho, na rotina diária, subitamente pareceu estar fazendo uma regressão ao passado. Diante de seus olhos, sentada, conversando com uma passageira, estava ela, a mulher que por décadas nunca deixara de habitar os seus sonhos e que nos últimos dias parecia persegui-lo de forma avassaladora. Fitava-a como que hipnotizado. A mesma beleza, o sorriso ainda jovial, os gestos... parecia o ontem voltando, com força inquebrantável.

Chega a hora de saltar, no centro da cidade. Como sair sem dirigir-se a ela? Olha-a e pergunta: "Você não é Cristina?" Ela responde: "Sim... mas quem é você?" "Sou Fabiano. Estudamos inglês no Cultura Inglesa, lembra?" Ela demorou, e finalmente disse: "Ah, lembro!" Ele desceu e através da janela ela ainda gritou: "Fabiano! Agora lembrei mesmo!"

Uma semana depois encontram-se novamente no ônibus, porém dessa vez ambos ficam em pé. Não havia lugar. Ele então entrega a ela um envelope. Como poderia saber que a encontraria?

Chegando ao trabalho, ela abre o envelope. Ele escrevera uma carta de tal forma que as palavras bailavam no papel... um amor infinito, dizia ele, que ultrapassara anos, desencontros.

A presença dela fora uma constante em sua vida, e nos últimos dias acentuara-se como a prenunciar esse reencontro. Saudade e paixão jorravam naquelas linhas... E ele ainda frisava que ela poderia ou não receber aquela carta. Entregara ao destino. Poderiam nunca mais se encontrar e a carta se dissolveria com o tempo... Ela sentiu-se tocada. O que faria?

Ao chegar em casa, releu a carta umas cinco vezes até conseguir consistência em termos de palavras para responder.

Então, falou sobre sua vida. Muito questionara sobre o desaparecimento dele. Como, morando na mesma cidade, ficaram vinte anos sem se encontrar? E disse que ele sempre fizera parte de seus planos emocionais mais caros... Carta bonita. Não sabia dizer se a dela suplantava a dele.

E enviou a carta. Mas sem endereço.

Que tudo permanecesse como um sonho. Que preservassem as lembranças, valiosas demais.

E nunca mais tornaram a se encontrar.

Continuaram na mesma rotina, mas os ônibus nunca mais coincidiram... como se fosse apenas uma conspiração dos anjos, aquele reencontro, após exatamente vinte anos.

Um reencontro que diluísse as saudades das coisas não vividas...

Belvedere

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