SÁBADO EM MONOCÓRDIO

O dia amanheceu esplendoroso, com um sol brilhante que inundou o jardim de luzes e sombras. Parecia que desafiava meu coração, entristecido por causas que obscureceram meu caminho que, até bem pouco tempo, estava cheio de claridades, risos e alegrias.
Mas nada é imutável. Um segundo pode mudar uma vida e de outras que dela dependem. Descobrir que cada vez mais existe ódio entre pessoas, faz-me um mal enorme porque não sei cultivar rancores.
Não obstante, firmei o propósito de aproveitar aquele dia que Deus oferecia, como redenção pelo meu injusto sofrer.
Desci ao jardim e passei pelas aléias de catagueses, das rosas, hortênsias já tão crestadas pelo sol de verão.
Os meus cães rodearam-me felizes, pois nem sempre podia estar junto deles.
Olhei-os com carinho, acariciei-lhe os pelos um a um. No meu olhar pedi-lhes perdão pela ausência involuntária. Perdoaram tudo e retribuíram-me com tanto amor que não pude furtar-me a compará-los com os seres ditos racionais.
Ao longe , vindo não sei de onde, ouvi o Adágio de Albinoni. Senti o pulsar da música e me perdi no compasso do meu próprio coração. O som desapareceu de modo inesperado, restando o pulsar do meu coração em monocórdio.
Deitei-me sob a sombra de um pinheiro e uma brisa fresca passou pelo meu corpo em abandono. Espreitei o céu, intensamente azul, com suas nuvens fugidias. Olhei em torno, rente ao jardim ficava o bosque onde pássaros acumpliciavam-se com borboletas brancas e amarelas, voltadas para o seu intenso bale, volteando-se por entre as flores.
O bosque era tão denso e misterioso que em suas clareiras adivinhávamos o paraíso.
Um sabiá cantava alegre. Apurei os ouvidos mas eram os cantos das cigarras que se tornaram mais fortes.
Descobri aquela árvore nativa coberta de minúsculas cachopas brancas, inclinadas sobre o muro do jardim. A cada brisa, sentia um doce e intenso perfume inundando tudo como um raro e místico incenso. Seriam as ninfas dos bosques que desejaram minorar minha aflição?
Observei uma minúscula formiga subindo pela minha perna. Deixei-a seguir. Não iria importuná-la, afinal, ela não fez mal às minhas flores, por que maltratá-la?
Lá estava o velho açoita-cavalo, que o jardineiro quis derrubar e eu não deixei. Esplendia em rosinhas lilases... Não acreditei na sua transformação e meditei: Também o ser humano se no outono da vida for tratado com carinho, certamente se tornará exuberante e rejuvenescido, capaz de encantar a quem o vê, como encantou-me a velha e radiosa árvore.
A piscina azul foi um convite. Mergulhei nela, uma, duas, três vezes... A água morna envolveu e acariciou meu corpo, com a suavidade de um toque de carinho.
Voltei à casa e senti-me como um pássaro que retornasse ao seu ninho.
Passei pelo espelho do salão e a figura que eu vi ali, nem parecia ser a minha. Encarei melhor. Então, surpreendi um leve e enigmático sorriso, delineado num rosto envolto em sombras.

Tenini

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