Você “aperta o bucho pra manter o luxo”?

“Silenciosamente, sistematicamente, cada pessoa deixou de lado a nobreza que a torna humana, e seguiu outro deus, o dinheiro e, sem percebê-lo, este drenou-lhe a vida e jogou-a no inferno ”. Oscar Quiroga

Minha amiga quer saber por que não tenho carro. A resposta é simples: não gosto de dirigir! Já o fiz por absoluta necessidade. Invisto o meu salário em mim e não quero dívidas. Tenho medo do trânsito, ainda mais o de agora, que me parece complicado. E não quero ter carro por outra razão muito especial: se deixar de andar de ônibus, como ouvirei a filosofia singela, sincera e sábia de seus usuários e motoristas? Hoje, por exemplo, indo para a Conselheiro Nébias, fiquei encantada com a sabedoria do motorista que nos conduzia. Não importa sua escolaridade; para mim, ele é diplomado, com louvor, na escola da vida. Pode defender tese em qualquer Universidade e passar sua sabedoria e lucidez a quem necessita de discernimento.

O ônibus parou num semáforo, ao lado de um caminhão de entrega de bebidas, carregado de caixas de cerveja de uma marca que está conquistando o mercado. Conversando com um passageiro, o motorista passou a explicar o porquê de sua preferência pela marca: ela é da região serrana do Rio de Janeiro, feita com água mineral e tem preço bom. Discorreu sobre os pontos negativos e positivos de outras marcas. Pôs o ônibus em movimento e continuou. “O preço da cerveja varia conforme o ambiente: num restaurante à beira-mar custa mais do que o dobro do que num bar de periferia. Entretanto, há quem prefira pagar, só pra dizer que freqüenta ambientes finos. Conheço um cara que “aperta o bucho pra manter o luxo”; vive no vermelho, devendo pra todo mundo pra se vestir bem e tomar cerveja cara em lugares caros! Se você abrir a geladeira da casa dele só vai encontrar gelo. Não, senhor! Isso está errado! Só se aproveita da vida o que se come. O resto? Fica tudo aí! Ninguém leva no caixão. Eu não uso roupa de marca, mas minha geladeira está cheia do bom e do melhor; a despensa de minha casa está provida de tudo o que a família precisa para uma boa alimentação. Para que gastar dinheiro engordando ainda mais a conta bancária de quem já tem dinheiro? Fico na minha, recebo os amigos, tomo minha cervejinha, como meus petisquinhos. Em casa não há miséria: eu, a mulher e as crianças vivemos bem. Viajo quando posso ou se for necessário. Não saio por aí soltando cheque frio só pra dizer que viajei; só porque dizem que todo mundo tem que viajar.... Não, senhor, viajar pra fazer bonito e contar vantagem não é comigo. Onde já se viu?! Ficar desesperado só por que o fulano foi para o Norte ou para o Sul? Foi porque tem folga no dinheiro e não deve pra ninguém...”

Fico tão encantada com a conversa que passo do meu ponto. Desço no ponto seguinte sob protestos de meus ouvidos de escrevedora. E, alegremente, volto as duas quadras que deixei passar.

Neiva Pavesi

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