AI DE TI, TROPICÁLIA 40 ANOS

             “Caetano Veloso é o pensamento na canção”
             Celso F. Favaretto”

Para Fernanda Fontes

No flanco do hit parade da aguada Jovem Guarda topetuda, ao resíduo do barquinho-e-um-violão trololó da Bossa Nova e ainda em terreiros e prosopopéias de festivais universitários chapa branca, na marginália adjacente surge a tropicália chutando o balde das aparências, das normas-regras rígidas entre o pouco & o quase nada e mesmo os recalques da semana da Arte 22  ainda latejando, e, Caetano e amigos, possantes e visionários (sem lenço e sem documento) incrementaram o samba quadrado, quebraram regras, botaram guitarra nos achados e fendidos, água na fervura baby, foi um Deus-nos-acuda pra saradinha bossa nova e pro água-com-açúcar da Jovem Guarda te dando o céu do self e com tudo mais indo pro inferno.

Aquilo nem era música, rastaquara, diziam, contra os noviços viçados Mutantes, Capinam, Vandré, Glauber, Torquato Neto, aquilo nem seria letra/poesia/filme; dizia um ou outro pois Cae era meio Chacrinha, meio Carmem Miranda, no forrobodó de detonar tudo, dizer a matrix do indizível, colorir o rococó, meio macunaímico ainda, meio pedromalazarte e incorporando uma vanguarda canibal-mazaroppi-antropofágica (manga rosa, calça Lee) para amplo total desfrute/desbunde/bundalelê geral e dando viço à MPB que rifou sandices, depurou ritmos e carnavalizou o pop top.

Sorte daqueles que - o medo da Canalha de 64 - ainda noiteadeiros adoravam transgredir, quebrar ritos, bulir com o perdão da esperança (salve limpo pendão) ferir o pelotão de isolamento de lucidez nova e limpa numa baianidade geral. Aquilo tudo (será o impossível?) mexeu com timbres e tons e tais, quebrou estruturas, modifincou cabeças e sentenças, corações e mentes se abriram, influenciou (influencia) toda uma geração que a partir daí sacou o óbvio ululante e então pintaram os novos de Ivan Lins a Gonzaguinha, de Jards Macalé a Milton neomaldito, afinal, misturou-se o Brasil S/A ao made-in-Brazyl, lembrando que estávamos na época dos podres poderes da incompetente, corrupta, violenta e senil ditadura militar, daí que um e outro foi preso, um e outro emigrou, mas deram-nos cultura ácida, cítrica, transgressora, fundando Luis Melodia (meio tropicália meio outras paragens da Jovem Guarda com letras lagartixas quebradiças) e tudo se fez caos e do caos se fez arte puríssima, soy loco por ti afrobrasilis, por que não? 

Nas beberagens brasis gerais dessas palavras cruzadas, sem lenço e sem documento adorei, disse, é isso, pós-pós-moderno é Caetanear, fui na fiúza, deitei falatório, tudo a ver, taí de Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé, de Paulo Leminski a Luiz Tatit, de Cazuza (meio bossa-rol-and-tropicália) alguns morreram de overdoses e credos (utopias), ficaram os novos malditos da pensagens como eu e outros balduínos semeando antipoemas, anti-regras, até que atirar o pau no guarda valeu a pena e a ditadura malufou o país, faliu tudo de cabo a rabo preso com emboabas, e cá nos restamos escovados de rupturas, rebeldias, com causas ou sem causas, sonhando um humanismo de resultados, o sonho acabou mas Caetano ainda canta sozinho, e agora?

Desafinou, pô. Ele não nos ensinou a nos prender a nada, mas nos prendemos a ele e ele parece que arranjou uma baranga brucutu que o cafonizou pra consumo em nome de umas veredas tropicais que podem dar com os zorros nágua. E ele era o pomo da discórdia. Deve ser por aí.

Eu só escrevo o que leio do que sinto e penso. E peno. Ai que preguiça de ser brasileirinho. Rascunho. Desculpe o auê. Mudaram tudo. Mudamos nós. Alguns nem saíram do lugar em que se plantaram peixes em lata, Todo ensaio é pouco. Bananas ao vento!

Quando fico triste, escrevo, quando fico alegre, leio, quando quero sonhar canto porque o instante existe e moro na filosofia. Por que rimar amor e dor? Ai de ti, Tropicália. Geléia geral não está mais embaixo dos caracóis de seus cabelos ao vento. Bat Macumba? Habemus a Grã Bethânia. Miserere Nóbis. Panis et Circenses. Restropicalia? Uns são. Carlinhos Sangalo e Ivete Brow. Uns e ostras. Preta Gil à parte.

Caetano deveria ter morrido de overdose em London London? Gil-Berto-Gil está com a mala e a cuia pretinha. Driblando-fintas do maculelê tropical-light pra gringos sacarem o sound. Outras palavras.

Se eu quiser falar com Cae, releio os encartes de seus cedês (jóias, qualquer coisa rara) e parabolizo caraminguás. A vida não se resume só num festival. O meu Caetano que queria mudar o mundo, foi internado num casório lundu e sai de baixo. Os que vão sob-viver são saúvas.

O Rio de Janeiro continua pangaré Porto Príncipe. Sim, manos, nesse paga pau, o Haiti é ali na banguela da Guanabara. Quem não trabalha não faz amor? -Acorda Caetano, Dona Canô vai recri/Ar-te. Noites do norte, talvez. Talvez um Tio Caetano por um triz. Navalha na acne?

A tropicália não agoniza por que extrapolou novos baianos. A grana que ergue e destrói coisas belas. Eu era um rapaz que amava Os Beatles e Tonico & Tinoco. A fama é reles. Alguma coisa acontece no meu coração: Caetano Veloso morreu e não nos contaram. Ou botaram a sua irmã gêmea-vitelina (que nasceu depois) no lugar dele, Maricotinha.

Alegria Alegria? Caetano disse que o Tropicalismo foi um momento de aguçamento e de explicitação da função crítica na criação. Essa era a sua verdade tropical. E agora, Cae?

Nem pensar. Caminhando e cantando e seguindo a canção. Nossa esperançazinha é uma criança triste feia e morta.

Entre os girassóis morrem as primaveras de marias-vergonhas saradinhas onde se plantando tudo dá. E Irene ri!

Cada macaco no seu galho?

Caetano go back to Bahia! Saravá ratos do porão.

Eu quero uma conta no banco, com jabás e um neoliberalismo radar tantã. Ai deti, doces bárbaros!

Lacraias herdarão a terra

Silas Corrêa Leite

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