O TEXTO DESVINCULADOR

Dias atrás li uma crônica em um dos grandes jornais do país. Admito que nunca houvera lido um texto do claríssimo cronista. Eu que sou leitor contumaz dos jornais afins, pelo Brasil afora. Tenho uma sede de notícia inarrefecível (?). Com a licença dos puristas. Não quero de jeito nenhum com esse verbete, talvez ininteligível, tornar-me soberbo a la Guimarães Rosa. Não me comparo, longe disso, mas quem sabe se um dia não me torno tão criador quanto ele? Nem tampouco ser parente de ex-ministro “imexível”. O fato é que a palavra por mim inventada é para provavelmente e por mais absurda que seja, deixar o meu pensamento mais claro. Ou seja, não sofro de resfriamento em busca de grandes textos. Jornalísticos ou literários. Então, voltando ao cerne da minha idéia, deparei-me com o “CONTRA-EXEMPLOS”. Era esse o nome da crônica.

No texto, quem o escreveu falava abertamente, questionava a respeito de um outro escritor cubano. Virgílio Piñera. Segundo o cronista, Virgílio Piñera andava na contra-mão da cultura revolucionária cubana. Excêntrico e homossexual, ainda segundo o cronista do jornal, mas com uma visão literária muito a frente do seu tempo. Não gosto da palavra vanguarda, soa falso e denota oportunismo. Fiquei então curioso para ler e conhecer o tal Piñera, devo me apresentar a ele qualquer dia desses. Mas não é exatamente sobre o escritor cubano que dirijo essas novas palavras, e sim a respeito de um parágrafo escrito pelo competente cronista e que me fez raciocinar e desconfiar mais ainda da turma que comanda o viés literário. Sobretudo na Bahia. Diria então a crônica: “Quando você acha que tudo só pode ser de um jeito (quando todo mundo faz do mesmo jeito), só a surpresa de obras inusitadas (e muitas vezes indesejáveis) permite redescobrir o próprio fundamento do que leva à literatura à arte:que sempre haverá outros jeitos. O sentido de liberdade que esses contra-exemplos produzem é essencial para a sobrevivência de qualquer criação” e mais tarde, ainda no mesmo texto, surpreende-se humildemente (qualidade de poucos) pelo óbvio de quem faz e vive em ou de literatura.”...que a imaginação é a origem de toda literatura”. A face da desconfiança plausível é justamente em torno daquilo que se um faz. todos nós faremos parecido, em alguns casos igual. E aquele que por acaso vier a surpreender com o inusitado, com alguma criação que não esteja nos moldes da nossa turma, coloquemo-o então de lado. Não tenho certeza se realmente é assim, como disse, desconfio somente. Carrego comigo um fardo de dúvidas a respeito de tudo na vida. E sei muito bem que quando o novo aparece, surge junto com ele uma epidemia de paúra, detração, murmúrios e até maldizeres. Sem falar em narizes torcidos. Contudo vale uma outra desconfiança em cima da anterior. Aliás não será mais desconfiança e sim a certeza de um atestado de arrogância e estupidez em detrimento do real criador. Pergunto eu, talvez fique sem resposta, mas mesmo assim pergunto. Por que não se abrem as portas para aqueles que em face do real talento adquirido ou inato estão nas beiradas da mídia sem que o coloquem no seu real lugar? Apresentem-no ao grande público para degustação e deleite do novo qualificado. Devem dizer “Não se ele não tiver títulos, se o tiver façamo-lo entrar aos poucos, mas com muita parcimônia”. Devagar quase parando. No mais alto degrau do desdém.

Não se trata portanto de algum recalque da minha parte, é bom que se esclareça também. Trata-se de indignação mesmo. Indignação por uma(s) injustiça(s) literárias. Trata-se de, como diz o título, desvincular a linguagem escrita de qualquer paradigma ou bossa peculiar de comunidades herméticas. No popular: conluio, panelinha, igrejinha e/ou sinônimos análogos. Ora, amigos curadores da palavra mais vã, lembremo-nos de “O GUARDADOR DE REBANHO” e do seu autor que por muito tempo foi preterido. Onde só alcançou o sucesso e a fama, depois que deixou seu ciclo nessa vida. Sucesso e reconhecimento póstumo. Assim dizia Alberto Caeiro em XLVIII “Da mais alta janela da minha casa, com um lenço branco digo adeus aos meus versos que partem para a humanidade... E não estou alegre nem triste. Esse é o destino dos versos. Escrevi-os e devo mostrá-lo a todos, porque não posso fazer o contrário...”

Vamos com esse Alberto aí de cima, ou com o nobilíssimo cronista do jornal que clamou pelo contra-exemplo, sempre haverá uma outra maneira de escrever tão qualificada quanto a de quem quer que seja. Com os paradoxos de Piñera, como bem explicado foi pelo cronista. Ou simplesmente conciso, objetivo e que chegue ao leitor...

Carlos Vilarinho
04/02/07

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