ADEUS, LI.

(EM MEMÓRIA DE ELIANE STODUCTO)

Querida amiga Eliane, sábado à noite eu vi o espetáculo “Jesus, uma paixão”, encenado em praça pública no centro de minha cidade. As arquibancadas estiveram lotadas, pessoas de todas as idades e condições sociais se apinharam para acompanhar as cenas, a platéia com olhos fixos nos tablados, no sofrimento e na humanidade de Jesus. A apoteose da ressurreição foi aplaudida pela multidão em lágrimas. Minha doce Li, por que estou te dizendo essas coisas agora? Não saberia te dizer porque. Tudo que sei é que, quando cheguei em casa, já tarde da noite do sábado, consultei a internet, vi as notícias locais, nacionais e internacionais. Inteirada do que estava se passando por esse mundo afora, mundo velho de meu Deus, abrí meus e-mails. Ah Li, que dor. Nos e-mails, supreendi-me com a notícia do teu passamento. “Pas-sa-men-to”, esta palavra é triste desde quando eu era criança. Antigamente, de quando em quando, ouvia-se no rádio que “A família Tal lamenta informar aos amigos e parentes que hoje se deu o passamento de Fulano. O corpo está sendo velado, etc”. Nada me chocava mais, nada me fazia mais triste. Na minha cabeça de menina, passamento era mil vezes mais fatal que falecimento. Eliane, minha querida, esta notícia, vista assim na tela do computador foi cruel demais para mim, que sempre achei chocantes quaisquer notícias de alegria, tristeza, vida e morte, se repassadas através da internet de madrugada. Todas as coisas da internet, nas caladas da noite, ganham dimensões mais trágicas, porque tudo vai direto para quem está lendo, sozinho, geralmente quando a casa, o prédio, o bairro, tudo está quieto, dormindo. No momento em que eu soube da notícia, acredite-me, querida Li, nunca me senti tão só, tão arrasada. Alguma coisa muito esquisita me oprimiu o tórax. Sinceramente, desejei que aquilo não passasse de trote ou vírus ou brincadeira de mau gosto. Não sabia que estavas doente assim. Por que, Li, por que? Fala, criatura de Deus. Mas tu não podes mais falar nada. Quem me dera que fosse apenas literatura. Mas, não, Li, não é literatura. Foste embora de verdade. As palavras são tão bobas, tudo é tão tolo. Dá-me vontade de encerrar por aqui, mas não posso. Preciso deixar registrado que tivemos uma amizade bonita, mesmo que virtual. Convivemos em listas literárias, em blogues, sites e em outros canais de convivência da internet. Tu sempre prestativa, colocando teus blogues à nossa disposição, divulgando nossos textos, alguns dos meus tão sofríveis. Se não for bastante tolo te dizer agora, que já não podes me ler, nem me ouvir, nem me falar, nem mais nada, preciso dizer que de ti guardo belas lembranças. Quantas vezes te agradeci pelas coisas boas que me proporcionaste. Hoje vejo que não foram em vão os agradecimentos. Te lembras, Eliane, que me deste um blogue de presente? Não, não deves lembrar, já que tuas lembranças vagam infinito afora, infinito adentro. Que coisa absurda. Mesmo sabendo que não lembras mais de nada, nem ouves, não vês e nem falas mais nada, eu, de tão boba talvez, preciso te dizer mais uma vez que fui e sou grata pelo presente que me deste. Que blogue lindo, parecido com o teu “Palavras Tortas”. Por falar em palavras tortas, logo que soube do teu passamento, corri ao teu blogue para ler tua última postagem. Poxa, Li, a última postagem datava de fevereiro, como eu previ. Teu último e-mail para mim está com uma data exatamente da primeira semana de fevereiro. Dizias-me que tinhas recebido meu livro, que tinhas gostado muito da capa. Dali até abril foram apenas dois meses, creio que não houve tempo para a leitura do meu livro. Não houve tempo de te despedires de nós, teus amigos e tuas amigas. O sofrimento, a dor, a depressão e a inconsciência devem ter invadido todo o teu ser, não deixando vaga para mais nada, nem para um adeus. Ah, Li. Estou chorando. Creio em Deus, creio na ressurreição. Fica em paz. Adeus.

Dôra Limeira
09 Abril 2007

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N.E.: Soubemos da morte de Eliane, pelo blog de Dôra <http://doralimeira.blogspot.com/>, no mesmo dia que ela. Estamos desolados, sem palavras, ainda em estado de choque.

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