O juiz que morria

Ele viveu a vida
sempre beirando a morte.
Seria um homem azarado
ou seria um homem de sorte?

             Ele era da minha família. Um antepassado meu. Vivia no interior, em Pacoti, um acidade um tanto afastada da capital. Era tio-avô de minha mãe e seu sobrenome era Silveira-Nepomuceno. Juiz de paz, tinha um cartório na cidade e era chamado a toda hora para casar o pessoal das redondezas. A família era tranqüila e não se preocupava com um fato que identificava o chefe. Ele sofria de catalepsia, uma doença na qual o paciente apresenta todos os sintomas de uma pessoa morta. Quem de nós não já ouviu histórias de pessoas que morreram e ressuscitaram na hora do enterro sob o pavor dos presentes?
             Há poucos anos, me contaram que no cemitério Parque da Paz, em Fortaleza, num enterro bastante concorrido, eis que o morto surge de dentro das flores e se levanta sacudindo as dálias que cobriam seu corpo. O povo saiu numa correria medonha e me pergunto se sua mulher voltaria a beijá-lo apaixonadamente depois de vê-lo defunto, deitado num caixão, colorido somente pelas flores arrumadas pacientemente por alguma amiga solidária, sobre aquilo que já teve animação.
             Minha scecretária de Amontada, uma cidadediznha perto de Sobral, me falou de um homem que era chamado de "Manoel Caixão" porque, quando pequeno, morreu, e, estando já no caixão, prestes a ser enterrado, abriu os olhos e voltou à vida. Até hoje, o pobre homem é solteiro com um apelido que não lhe permitiu seduzir nenhuma mulher.
             E o juiz da minha estória, vez por outra, decepcionava alguma noivinha aflita que, montada num jumentinho vinda de longe com o noivo, cruzando o arvoredo do Maciço de Baturité o encontrava morto, trancado num quarto.
             A mulher do juiz, delicadamente, pedia desculpas aos casantes, mas anunciava solenemente que naquele dia não aconteceria cerimônia. O juiz estava morto, trancado num quarto, à espera de que os sintomas da estranha doença fossem embora e assim ele pudesse voltar ao convívio dos familiares.
             Muitas vezes a cena se repetiu, até que um dia... a mulher entrando no quarto sentiu um cheiro adocicado de material em decomposição. O juiz estava já rijo e o quadro indicava que não haveria mudanças para melhor. Foi quando os familiares entenderam que ele não ressuscitaria nunca mais.

Regine Limaverde

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