CASTIGO

Há algumas palavras que me causam efeito avassalador. “Castigo” é uma delas.

Essa palavra sempre me foi imposta moral ou fisicamente e talvez tenha me impedido de cometer graves erros. Ou grandes acertos, quem sabe.

Sempre tive consciência de que meus pensamentos e atos teriam como resposta alguma forma de prêmio ou de castigo. Às vezes, eu sabia que as duas coisas viriam juntas. Aí é que tudo ficava mais difícil.

Toda má ação tem conseqüências. Acho que isso é fundamental, em vários aspectos da vida. A responsabilidade e a correção são necessárias, imprescindíveis. Sempre fui intensa defensora da justiça, do bem, do respeito e de todas essas coisas que poderiam e deveriam tornar o mundo e os seres humanos melhores.

Mas em alguns aspectos, por mais que eu tente, não consigo compreender as convenções e parcialidades das teorias do certo e do errado e tenho dificuldade em avaliar isso, principalmente quando as situações me dizem respeito. Porque eu conheço os meus pensamentos e intenções, mais ninguém.

Fico pensando nos seres humanos, divinos, maravilhosos, com sua imensa capacidade de amar, sonhar, desejar, querer e buscar a felicidade, divididos entre o prazer do prêmio e o temor do castigo, este último imposto por uma sociedade que espreita, inventa, comenta e, impiedosamente, julga.

Estes seres (im)perfeitos, frutos do pecado original (portanto, já com metade do castigo garantido) não podem, ainda, ignorar o julgamento divino, incontestável e definitivo. Não conseguem ignorar a moral secular, com todos os seus preceitos que definem o bem e o mal, o certo e o errado e os inevitáveis julgamentos que determinam quem é justo e quem é ímpio. E tem ainda a figura ameaçadora daquele livro imenso onde estarão descritos todos os atos humanos observados por um olho que tudo vê, registrados implacavelmente por uma mão poderosa que fará o julgamento final e determinará a cada um o seu prêmio ou seu castigo e separará, finalmente, o joio do trigo, guardando o que é bom e jogando fora o que “não presta”.

Não defendo a permissividade, mas não consigo pensar a divindade assim. Não consigo pensar que os seres humanos foram dotados de tão imensa capacidade de amar para reprimi-la e não poder vivê-la por completo e sem culpa, em todas as suas manifestações. Não consigo entender que algumas formas de amor possam ser ilegais, imorais, injustas, erradas ou inadequadas. E por isso, julgadas e condenadas. Talvez eu precise renovar a minha consciência das coisas. Talvez eu precise crescer e aprender muito, despertar a “divindade” em mim, para deixar de ter essa visão humana demais de tudo.

O meu modo de ver as coisas e a minha imensa capacidade de errar já me fizeram receber muitos castigos. Alguns físicos, outros morais. Não saberia dizer quais machucaram mais ou quais deixaram as maiores marcas. Nem quais foram merecidos ou injustos. Não saberia dizer quais foram mais bem-sucedidos na tarefa de me tornar uma pessoa melhor. Ou pior?

Talvez haja coisas que a minha limitada capacidade de compreensão erroneamente considera corretas e pelas quais, um dia, ainda terei que prestar contas. Ou talvez eu esteja tentando justificar algumas angústias e sentimentos de culpa, “por pensamentos e palavras, atos e omissões”. Não sei.

Mas a palavra castigo me parece pesada demais. Acordei com ela no pensamento, hoje. E com a sensação terrível só sentida por um réu que já foi julgado, condenado e que está apenas aguardando no corredor da morte. Mas que deseja indulto, por acreditar na própria inocência.

Helena C. de Araujo

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