FOTOS ‘TRÊS POR QUATRO'

Existe coisa mais medonha do que foto ‘três por quatro'? É difícil; quase sempre saímos com cara de presidiário. É um horror. Quando me pedem essa ‘coisa', já vou ficando meio desatinada. E o pior é que ficamos numa desilusão que amarguramos por dias. Sentimos a decadência, temos consciência do estrago. Estou falando em fotos ‘três por quatro'. A tal da fotinho da cara dura, esperando o clic!

Ontem tive de renovar minha carteira de habilitação; não deu outra: ‘traga Carteira de Identidade, Comprovante de Residência, CPF... E duas Fotos ‘três por quatro!' Entrei em crise existencial.

Fui pra minhas caixas de fotos ver se descobria algo que pudesse ‘passar'. Achei várias! Mas eram fotos de muitos anos, de carteiras anteriores. Olhei...olhei... E não senti firmeza. Procurei mais: encontrei outras, do tempo em que eu ainda podia tirar uma ‘três por quatro', daquelas que se vê a alma. Mas também não daria: muito jovem. Fiquei imaginando a cara do homem ao ver o ‘antes e o depois...' Comecei a remexer mais, a procurar uma foto mais estressada e um pouco neurótica... Mas não achei nada que se encaixasse nesse 3x4.

Têm fases na vida da gente que é bom não registrar: cara de estressada, cara de desgosto, nossas perdas, nossas desilusões, nossas frustrações...Tudo somado, não tem foto que agüente. Seria pegar mais um probleminha pra resolver: endireitar a cara. E com urgência.

Então resolvi enrolar o homem. Dei a mesma foto da carteira anterior, de oito anos atrás, e sumi o mais rápido possível, assim não daria tempo da comparação. Logicamente coloquei uns óculos tipo Stevie Wonder que cobria quase metade do meu rosto. Podem acreditar: deu! Só tem uma explicação: ou o cara era deficiente visual ou era muito educado.

O que interessava, mesmo, era se minha vista e meus reflexos estavam bons. A foto seria uma firula de segundo escalão. Nada pra se dar tanta bola.

Depois desse fato fiquei pensando como somos exigentes com nossa imagem; o tanto que uma simples foto ‘três por quatro' pode nos abalar quando temos de passar por essas provações, por renovação de documentos. E quando temos autocrítica, quando exigimos muito de nós, a ‘coisa' fica pior ainda. Estou empregando o ‘nós' porque nunca vi alguém ficar satisfeito com sua ‘três por quatro'.

Mas o que altera de fato a nossa imagem é a nossa cabeça; é nossa maneira de viver e de encarar o mundo. De levar tudo muito a sério. Isso é extremamente cansativo.

Tirando certos períodos conturbados que somos obrigados a encarar, diria que se levarmos as coisas no ‘bico' o fardo fica muito pesado, desgastante; tudo que é light traz mais benefícios.

Mas levar a vida com leveza, não é moleza: é um exercício. É deixar tudo que não for relevante, passar, que se vá! Muitas pessoas não toleram um olhar atravessado. Já é motivo pra encrenca. Aí o caldo entorna.

Quem sabe, se eu levar a vida mais mansa, na próxima foto eu não precise correr atrás dos óculos do Stevie Wonder...

Já estou começando: vou me esticar e pegar um bom livro!

Taís Luso de Carvalho

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