Tristemente Banal

Quem me deu o presente foi um amadíssimo amigo cubano. Aquele que respira arte, e história da própria, dia e noite. Visitar os museus de Havana em sua companhia é fazer um curso completo e reviver a criação humana, transgressora e transcendente sempre.

O presente em si tinha sobretudo valor afetivo: dois cinzeirinhos, delicadíssimos, da melhor cerâmica artística da ilha, um era um peixinho, outro uma tartaruga, ambos estilizados de modo a tornar o bojo um utilitário para fumantes. Embora esmaltados, nunca neles joguei cinzas. Eram a presença do hermano entre as poucas plantas que este apertamento me permite ter.

Um belo dia, o peixinho desmaterializou-se... Assustada, procurei-o por todo canto e quase trouxe o mar para cá na esperança de vê-lo reaparecer. Nada! Passam-se dias (ou algumas semanas?) e ontem chego em casa lembrando que esquecera de aguar as pobres plantas. Vou ao seu cantinho e... cadê a tartaruguinha? Não podia entender — mais uma desmaterialização! Examinei portas e janelas, cada canto... Tudo na mais perfeita ordem ou desordem deixadas, mas a minha tartaruguinha cubana também desaparecera.

Nos velhos anos sessenta eu já estava acostumada à desmaterialização. Casa sempre cheia de estudantes, até hoje não sei onde e como desapareceu meu Walt Whitman e vários companheiros, dele e meus. Pudera, penso, naquela época também vários estudantes foram desmaterializados por muito tempo ou para sempre. Agora, de novo, o fenômeno tem em mim um efeito arrasador. Como se toda a minha energia fosse sugada... Começo então a telefonar para a filha, amigas, pessoas que aqui estiveram e talvez o tivessem visto. Nada... Acendo uma vela azul na sala. Uma planta parece alertar-me e gritar — "você não me deu água ontem. Veja! tenho sede!" Rego-a e só então começo a recapitular meus passos nos últimos dias. O racional renegado como prioridade no viver vem em meu auxílio e eu relembro — a tartaruguinha estava aqui até... anteontem!

Como é terrível "julgar" alguém. Só posso então constatar a única possível autora da desmaterialização. Não choro. Até perdôo quem, das maiores vítimas de uma sociedade sem ética e terrivelmente excludente e indiferente, assim se defende. Mas não me conformo. Porque este caso tristemente banal revela-me que, depois de tantas e tão desafiadoras estradas, ainda não aprendi totalmente a abrir o coração sem escancarar as portas de casa, ou ensinar a pescar sem me transformar em pescado. Serei sempre uma aprendiz. Do viver e ser solidária correndo menos riscos.

Maju Costa

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