A crise da escuta

Fala-se muito pelas mídias na crise econômica na qual o mundo se acha mergulhado. Mas pouco se fala na crise de valores que talvez tenha levado a esta crise, fruto da ambição insensata por obter maiores lucros, mesmo ao custo de se viver na irrealidade de uma bolha especulativa que, formada à base das pirâmides da picaretagem rasteira, um dia haveria de estourar, porque tudo cai quando cresce ou sobe sem base. O publicitário Nizan Guanaes conta que viu sinais de uma quebradeira mundial quando, em excursão na Europa, viu um homem, em um restaurante, bebendo uma garrafa de champanhe no valor de trinta mil euros.

A crise real que se alastra pela humanidade não é só a de não haver mais dinheiro nem sentido para abonados milionários continuarem a comprar aquilo de que não precisam, cedendo à dissipação irresponsável e ao vício da ostentação e do desperdício. “Os desejos mudam, mas as necessidades não”, um sábio antigo já dizia. Dentre as necessidades básicas do ser humano estão o anseio de amar e ser amado, de ter paz e viver em felicidade. Ocorre, no entanto, que a inconsciência espiritual e a cegueira mental em que vive levam-no a tomar a direção contrária ao caminho que o poderia ao fluxo natural da Vida e seus processos, não se tornando um estorvo ou uma ameaça aos ritmos da natureza.

Há uma crise alarmante – a da escuta – e aqui não estou a falar das bisbilhotices, clandestinas ou autorizadas, da arapongagem oficial ou criminosa. Falo da necessidade básica para cujo atendimento não basta ter uma conta bancária bem fornida e cartões de crédito sem limite. Estudos recentes indicam: 20% da população norte-americana (ou da Europa) ressente-se, não da falta de poder financeiro para comprar bens essenciais ou supérfluos. Sofrem da falta de não ter ninguém com que possam conversar. O simples diálogo entre conhecidos e amigos, entre pessoas da família, passou a ser artigo de luxo – tão isoladas estão as pessoas, em seu mundo egocentrado e individualista. Vivemos em um vasto mercado onde tudo se compra e se vende, mesmo amor, compaixão, amizade e solidariedade.

Não por outro motivo proliferam comunidades de solitários nos sites de relacionamento. Há quem implore para ser adicionado no orkut ou seguido no twitter. Pior: há uma busca frenética por ser celebridade ou ter fama nestas mídias, sucesso que é medido pelo número de amigos ou seguidores virtuais; Followeres são moedas de troca, produto ambicionado pela comunidade dos twitteiros, e há quem dê sua vida, ou seu lugar no reino celestial, para ter uma carteira de milhares de seguidores, anônimas celebridades de 140 caracteres.

A canção “Sinal fechado”, de Paulinho da Viola, foi símbolo vivo dos anos de silêncio forçado e da incomunicação dos anos da ditadura. “ - Me perdoe a pressa/é a alma dos nossos negócios/ - não tem de que/”. As ditaduras passaram, mas hoje a solidão que aponta é mais crucial do que nunca. No filme Crocodilo Dundee a mocinha loira diz ao cowboy australiano que em Nova Iorque, cidade onde vive, as pessoas quando têm angústia têm de pagar psiquiatras para falar do que as faz sofrer. Pior, têm de pagar por uma hora que tem cinqüenta minutos. Ao que o cowboy, irônico, pergunta: “E lá vocês não têm amigos?”.

Assim a humanidade escolhe viver entre “crimes, espaçonaves, guerrilhas”, em um cotidiano onde apenas a banalidade do mal é notícia – vivendo uma “vida de gado”, em um chão de violência, miséria e impunidade, onde o ser humano vai se tornando o animal mais perigoso – para as formas e fontes de vida de sua casa planetária – mais letal e o mais selvagem em relação a si próprio.

Brasigóis Felicio

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