Maturidade

Na maturidade, você percebe suas falhas e as compreende, porque elas próprias se fazem risíveis. É na maturidade que você percebe as coisas que realmente incomodam; daí tem de se afastar de suas vicissitudes e se aproximar de suas purezas. Não é qualquer dor que o ofende, senão as que seu corpo sinaliza: Uma hérnia de disco, uma pedra num rim, uma inflamação intestinal. São os sinais de que o corpo cobra, sua mente já pensa mais rápido que seu corpo que reage mais lentamente aos processos dela.

Então, você se reaproxima de seus queridos. Percebe a distância que se fez e tem de ter paciência consigo, porque tudo que se cria se transforma em algo melhor. As distâncias se superam. Mundos se reaproximam e se reajustam, você percebe o quão importante é o contato próximo, você percebe quantas coisas você deixou de fazer por tão pouco, com todos ali perto. Todos, você sabe que tudo se renova. Até você mesmo se renova em taxas alarmantes todos os dias, todas as horas.

Eu tenho comigo que os momentos que vivo agora são os mais sagrados que já vivi; não tenho as paixões da juventude, mas tenho a paz gradativa do aceitar-me, do saber que veste cada ato de sublimação e maestria na conduta. Cada ato passa a ser luminoso; de um simples estar sentado com o cachorro a lhe olhar nos olhos como o fato de ouvir sua esposa falar sobre coisas que afinal você não entende, mas são de seu universo e procurar uma sinonímia em um universo que é o seu para adaptar-se ao que é real do outro faz parte da dinâmica do viver.

Por que não poderia ser assim sempre? Porque tudo tem de ser tão vistoso, tão contundente, tão buliçoso nos momentos que você menos espera? Eu acho que a v ida é um sonho, um moto perpétuo que gira a partir do dia que você põe os olhos no mundo. O mundo gira, leva suas vivências, cria outras numa arborescência infinita, as escolhas são suas e parte delas você já as fez assim que nasceu.

É nesse adaptar-se contínuo que nossa alma, nossa essência, se manifesta íntegra, exigindo nos momentos de mudança a espera, a paciência, a virtude de saber que tudo é passagem, tudo é enriquecimento, mesmo no sofrimento do ajuste, mesmo no movimento da queda e do elevar-se. Essa paciência surge com a maturidade, essa virtude redireciona seus instintos, o fogo da alma queima em tom mais brando, porém não deixa de registrar seu eterno brilho.

Maturidade, cabelos brancos, olhos mais puros, olhar mais sereno. A paz que desce sobre seu mundo, a espera que se faz menos ansiosa, a luz de contemplar uma folha iluminada pelo sol. Maturidade, minúcia, argúcia na resposta, a gota que se faz perfeita, a música como um tipo de resposta. A asa do pássaro em movimentos ritmados, a alma em respiro aliviado, a beleza do estar junto sem cobrar nada; maturidade, mais uma dádiva, mais um pedaço de vida, este dom que nos foi dado e que esquecemos de agradecer...
Aprendi, senão quase tardiamente, que agradecer faz parte do melhor que temos.

Temos de agradecer cada quinhão do que nos foi ofertado. Não podemos desperdiçar o tempo de vida que nos foi dado com sentimentos que nos desviem do caminho que nos leva ao centro. Ah, maturidade; se eu pudesse revolver o meu passado, colocaria em cada minuto dele uma pitada da neve que cobre meus cabelos. Saberia extrair de cada instante melhores sabores, melhores tempos. Saberia viver melhor. Mas se cheguei até aqui, a ponto de escrever isto, que fique o registro. Para que todos saibam, para que todos vislumbrem, que se abram os véus de nossa incerteza: É a beleza, a inocência, a pureza dos olhos da criança que temos dentro de nós que nos move, para que nos reconciliemos com ela quando já temos nas mãos os vincos da vida quase perfeita.

Flavio Gimenez

 

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