Caçarolas de outono da Sacerdotisa (*)

          Outono traz essa luz de acolhimento, uns dourados variáveis, o ar cheirando ao começo do frio, uns dias pra passear de cachecol e luvas e outros pra envergar capa e galochas, que isto aqui é outono tropical e a chuva cai sem ligar para o calendário. Manhãs pra resmungar por ter que sair da cama, tardes pra beber capuccinos, chá ou café com leite, e noites pra comer o que aquece, mas sem muita confusão, já que a sutil melancolia do outono costuma dar muita preguiça. Caçarola nesta estação, pra mim, é sinônimo de solução, substituta do caldeirão de bruxas e sacerdotisas. Uma panela só, de ferro ou barro e de fundo grosso, onde a gente vai jogando coisas, feito quem faz poção do amor.

          A Sacerdotisa do meu tarô é a mãe ancestral que conhece os segredos primordiais do mundo, oráculo revelador daquilo que precisamos saber. Ela nos ajuda a entender o universo da mulher essencial e ensina a difícil arte da reserva. Antiga como a Terra, não é, no entanto, nem a mulher concreta, nem a mãe moderna (seja a preocupada com a nutrição ou a descongeladora de "tv dinners"), mas sim a mãe ideal, que cozinha o que nos devolve o sentido de segurança e de lar. Apresenta, portanto, o questionamento sobre nossa capacidade de autocuidado ou sobre a "automãe" que podemos acessar dentro de nós, homens e mulheres.

         Com essa imagem na cabeça, a primeira caçarola é a sopa de peixe da minha mãe, minha Sacerdotisa e guia maior, que obteve o impensável sucesso de me fazer gostar de uma sopa e que a recebeu de minha bisavó, provavelmente a única basca meiga de Navarra.

         Caçarola de outono é também meu trucadíssimo boeuf bourguignon, tão trucado que nem é mais isso, mas que mesmo assim sempre obteve um sucesso estrondoso em idos jantares carnívoros e que, na minha versão, nada mais é que carne cozida em vinho tinto e mais um pulo de gato de minha particular autoria.

         Doce de outono ainda comporta bem um contraste de temperaturas e não tem nada mais rápido e simples do que sorvete com calda quente. Nunca vi, em todos os jantares que já dei, alguém recusar isso.

          Tudo comida de uma panela só, com gosto de colo de mãe e maravilha das Sacerdotisas contemporâneas que têm que lavar louça.

Ivana Mihanovich

(*) Este texto faz parte da coluna Chez Tarot, que Ivana assina no Yubliss. Não transcrevemos as receitas propositalmente, para você conhecer a coluna da autora e a rede social em que ela escreve.

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