A juíza e os figos

Ao pensar em escolha, surge-me a imagem do vestibular. Que carreira seguir? A mais promissora? A da vocação, ainda que em baixa no mercado de trabalho? Para complicar, o vestibulando, em sua maioria, situa-se em faixa etária povoada de dúvidas. Vez por outra, desponta alguém repleto de convicções, disposto a queimar etapas para atingir seus objetivos.

Por uma revista de grande tiragem, soube de uma jovem que não adubou incertezas. “Enquanto tantas garotas de sua idade suspiram por roupas da moda, ela curte mesmo é uma toga preta”. Aos vinte e um anos, tornou-se juíza, quinta classificada entre os dezoito aprovados em concurso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

A notícia lembrou-me os figos do quintal da casa de meu avô. Para livrá-los dos bicos dos pássaros, ele os envolvia com sacos de pano. Em consequência, os frutos amadureciam prematuramente. A jovem (permita-me a intimidade, Meritíssima) também amadurou demasiadamente cedo. Entrou para a faculdade aos quatorze anos, formou-se aos dezoito. Manteve, por três anos consecutivos, dez horas diárias de estudo.

A doutora e os figos do quintal do meu avô têm algo mais em comum. Durante o tempo de sua formação, ela abdicou do lazer, não namorou, não curtiu amenidades. Os frutos, por sua vez, foram privados da luz do Sol, do sopro da brisa, da carícia do orvalho.

Os sacos de pano tornaram o sabor dos figos levemente amargo. Tomara que a escolha de vestir a toga, escura e pesada, em detrimento da luminosidade e da leveza, tão comuns aos de sua idade, não prejudique as sentenças da juíza.

Wanderlino Teixeira Leite

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