O ALEMÃO

Nós estávamos cogitando o que fariamos no feriadão de 1º de maio,  já que as aulas só retomariam na terça-feira da semana seguinte.  Estavamos na quarta-feira, de repente, deu um estalo: e por que não ir a Paris naqueles dias?  Do grupo de 21 artistas brasileiras que faziam curso de Pintura no Instituto Lorenzo de Medici, apenas três toparam a idéia, entre elas, eu, claro. Então,  a Martha, o Alemão e eu decidimos que gazeariamos a aula na quinta para viajarmos ainda na quarta-feira, se possível.  Saímos a procura de uma agência de viagens e compramos passagens de avião de Firenze para Paris ida e volta.  Seriam cinco dias gloriosos em Paris! Corremos até o apartamento, onde estavamos alojados para arrumar a bagagem.  E às 19 horas lá estavamos nós embarcando para Paris, num vôo de uma hora...A Agência de Viagens não quis os dólares e sim os cartões de crédito, assim pagamos a estadia de cinco dias num hotel três estrelas, que aqui, certamente, seriam quatro...Chegamos a Paris e achamos o Hotel ótimo. Ficava próximo à Gare du Nord e podia-se ir a pé até o centro. Nosso primeiro Tour foi pelos lugares famosos e um jantar num restaurante, onde um pianista francês tocava músicas do cancioneiro já conhecidas, como La vie en rose, C'est si bon, Sous le ciel de Paris etc... além de Garota de Ipanema. Tinha uma pista de danças pequena, mas suficiente para os poucos casais que estavam por ali. Dancei com o Alemão, porque já estava sob os efeitos da champagne que tomávamos para comemorarmos a chegada em Paris. Ele, que já vinha tentando  romance com alguma artista  do grupo, achou que o clima seria propício... Eu não queria papo com ele, pois era casado e detesto ser "passa-tempo" de quem quer que seja. Ainda mais, eu enviuvara há dois anos antes e estava no periodo do "negro véu eterno"...Algumas colegas, muito pudicas, iniciaram um falatório porque o Alemão vinha ao nosso apartamento sempre lá pelas 22 horas e a gente saía para atravessar a ponte de Firenze para tomar sorvetes do outro lado...Mas como eu já havia tomado uma champanha, deixei que ele encostasse seu rosto no meu. Foi a conta. O Alemão cismou que teria um programa em Paris, com uma colega de aula! (Ele havia contado que seu Analista recomendara que ele "tirasse a barriga da miséira nessa viagem ao exterior...").Enfureci e toda a vez que o Alemão me dava as cantadas eu ria na cara dele, ficando furiosa com o seu  atrevimento.  Mas ele não se tocava e isto estava infernizando meus dias em Paris.Já no Metrô, ele tinha me irritado pois depois de dois dias, ainda não entendia o funcionamento da gare. E a gente ia parar por lugares nunca dantes navegados ou desejados... Resolvi prestar atenção e num  záz aprendi o funcionamento da compra de passagens, bairros, além de qual o "buraco" que nos levaria para o bairro x...  (Buracos são as entradas para o metrô).  Concluí que o Alemão era burro e homem burro pra mim, não tem vez.  Fiquei de guia do grupo, dali por diante, deixando o Alemão cabisbaixo...Um dia, o Alemão nos convidou para jantar em algum restaurante legal e a gente foi caminhando a pé por uma avenida que ia dar no centro.Acontece que o Alemão havia dito para que nos produzíssemos, pois iriamos em local fino, onde havia música ao vivo e danças, segundo fora informado pelo recepcionista do hotel.Eu coloquei o único vestido que trouxera e tive a infeliz idéia de colocar sapatos de salto alto para  ficar mais elegante. Paris, sabe como é...Na terceira quadra eu já estava mancando e os meus pés começaram a doer. Pior, comecei a sentir  bolhas nos calcanhares e  pedi para o Alemão para tomarmos um taxi. O Alemão, implacável, respondeu: — "Vamos andar mais um pouco, já estamos chegando". E saía andando, na frente, com passo de soldado nazista... Tinha vontade de gritar-lhe: "Heil, Nazista nojento! Heil Hitler !!!",  mas  me contive, por educação.Passamos mais cinco quadras e nada. Eu já ia me arrastando, perdida toda a elegância, com vontade de jogar os sapatos no meio da rua... e o Alemão sorria, sádico...Eu pensava: "É por essas e outras que esse desgraçado está em analista... qual a mulher que vai aturá-lo? A mulher dele deve ser uma mártir..." O  meu  humor, como vocês podem aquilatar, estava  pra lá de" noir"... A minha colega e o Alemão continuavam como se nada estivesse acontecendo...De repente, eu parei e gritei: "Vão pras puta que pariu... vocês dois, vou voltar para o Hotel!"  Sentei no meio fio da calçada e tirei os sapatos.Os dois, envergonhados com a minha atitude, que estava chamando a atenção dos transeuntes e dos carros que passavam, ainda tentaram me convencer: "— O que é isso?  Tenta mais um pouco, Tenini..." O Alemão ofereceu-me seu braço e eu recusei com um olhar fuzilante!  Pra bom nazista, meio olhar basta...Enfim,  ao verem as bolhas nos meus pés, chamaram um táxi e fomos para um restaurante da periferia. Uma droga. Comemos uma macarronada, daquelas sofríveis em plena Paris do século XX... E eu que sonhara com a cozinha francesa, foi um chute no traseiro...Na volta, o Alemão, ainda teve o peito de me convidar para ir a um inferninho dos muçulmanos...  bem baratinho... Dei-lhe um canelaço que ele jamais esquecerá...Na volta para Firenze, os ânimos estavam mais serenados. O Alemão fez questão de sentar-se ao meu lado no avião. De repente, ele olhou para o meu decote e disse suspirando:  — "Mar Morto!"... Virei a cabeça para a janela e me finei de tanto  rir... O Alemão, finalmente se vingara!Daí em diante, foi um papo alegre, descontraído e descuidamos do roteiro do avião. Só prestamos atenção quando a aeromoça disse: —" Torino!" Logo o avião desceu. Perguntei ao Alemão:" Estamos em Torino?  Pergunta pra aeromoça"... Ele respondeu: "Não precisa.  Claro, é uma escala!"  Mas todos os passageiros desceram e só nós ficamos ali. Não havia nem aeromoça para perguntar. Me deu um cutuco: — "Acho que está demorando muito esta escala — falei..."Olhei pela janelinha do avião e reconheci o aeroporto de Firenze...Então eu disse para os dois: "Ah é?  Fiquem aí, que eu já volto..."  Deu-me um ataque de risos como nunca tive. Me mijei toda... Descemos do avião às gargalhadas. Assim, terminaram as  nossas mini-férias  parisienses..

Tenini


 
 

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