O VELÓRIO

                        Todos sentados em volta do caixão, no centro da sala, amigos e familiares. Falavam de assuntos variados, encurtados, velando as horas da noite. Nos rostos dos filhos, o silêncio, o constrangimento de algo que se tem de passar, mas que é duro de engolir. Vez ou outra, um chorozinho discreto, lágrimas rolando, o desaponto.
                        — Coitada! Sofreu tanto. Uma vida dura. Criou essa filharada, com dificuldades financeiras, doenças, faltas, dificuldades sem fim... E agora, aí, morreu.
                        — Fazer o quê. É a vida. Tinha oitenta anos. Nem adiantava mais viver.
                        — Amanhã estará enterrada. Nada mais a ver com o mundo onde viveu oitenta anos. As alegrias foram poucas. O que sofreu ficou perdido, por conta do nada. É isso a vida...
                        Algumas crianças estavam acordadas. Uma delas aproximou-se bem do rosto da morta e disse:
                        — Vovó dá uma balinha?
                        A mãe da criança arrastou-a pelo braço e levou-a junto às outras.
                        Cai o silêncio. Como muitas vezes. A noite do velório é grande.
                        Inesperadamente, aproveitando o silêncio, a morta, num momento de impaciência, (se a noite é longa para os vivos), mexe-se, arrebenta o terço das mãos, desentrelaça os dedos e senta-se, meio perdida no ambiente. Os olhos arregalam-se e começam a piscar como luzes psicodélicas. Todos piscam juntos, ofuscados pelas luzes. Todos se arrepiam, mal crendo no que os olhos vêem.
                        A mais corajosa, a que dentre todos os filhos assume todas as coisas, aproximou-se decidida e enérgica:
                        — Mãe, o que é isso agora? Controle-se, que coisa feia! A senhora está morta! Deite-se e comporte-se!
                        A mãe, já então com seus olhinhos enterradinhos de seus oitenta anos, quase alegres, pergunta, pensando que é uma conversa amena:
                        — Hum?!
                        Continua surda. Mas não é uma conversa amena, é um ordem mesmo.
                        — Deita mãe. Agora todos falam, encorajados, inquietos aborrecidos.
                        Ela, intimidada pelos filhos adultos, desde os cinqüenta anos, obedece e deita-se. E fica morta outra vez.
                        Depois de bem quietinha, arruman-na novamente, as rosas e os espinhos das rosas, quase a furar o nariz da morta.
                        Já na hora do enterro, ninguém mais acredita ou comenta o que viu. Estão enterrando um pesadelo e soltam suspiros.

Djanira Pio

« Voltar