FRENESI OCEÂNICO

          Era tarde da noite, passava das vinte horas, e Marcela, não conseguindo permanecer em seu apartamento visto que o calor se fazia insuportável, resolveu descer para refrescar a mente e seu corpo que por pouco não se desfazia em suor. Colocou então uma roupa aparentemente fresca, foi até o corredor e apertou o botão prateado do elevador. Trinta segundos depois a porta abriu, Marcela entrou. O tempo parecia interminável dentro daquela caixa que era um cubículo, apertado e nada arejado. Finalmente chegou ao térreo. De sua testa, gotículas escorriam, no que Marcela, como se movida por um tic nervoso, passava a mão para se secar.
          Ainda lembrou de falar com o porteiro sobre um assunto administrativo e reclamações sobre a infra-estrutura do prédio. Porta afora do Edifício Ipanema, Marcela apressava os passos numa atitude não racional. A lua se fazia intensa. Era noite de lua cheia. Lembrou que não levava seus documentos e nem dinheiro para qualquer possível eventualidade, mesmo assim foi com propósito e convicta de suas intenções. Prosseguiu seu caminhar. Mais forte, mais rápido! Seguia para o objetivo com tanta sede como se procurando algo desconhecido. Caminhava ardente e compulsivamente.
          Não havia nenhum ventinho, nenhuma sombra de vida humana no percurso, o que fazia com que Marcela se encontrasse entre sonho e imaginação. Seria real o que estava vivendo? Como um tormento, o tempo parecia não mais existir, tal foi o seu desespero. E avistando algo na linha do horizonte, pôs-se a correr. Correu como uma criança que acaba de ter seu desejo satisfeito. A brisa! Deliciosa brisa embriagadora de sentidos! Quem dera pudesse sentir este prazer incandescente para todo o sempre.
          Com um sorriso ingênuo flertou a imagem. Que bela imagem! Trouxe à memória seu agradecimento a alguma poderosa divindade pelo prazer excitante que essa lhe permitia. Mexeu nos cabelos.
          A sensação de euforia era tanta, imensurável. Era ele! E como a chamava! De tal maneira que, hipnotizada pela sonoridade, seguiu descontrolada. Ouviu seu nome:
          — Marcela...
           Continuou correndo e o vendo adentrou em suas águas. E havia uma textura - grãos de areia. Tais cristais se faziam sentir nos seus pés já descalços e mergulhou numa alucinação desesperada de dor. Lembrou-se de relatos de náufragos, histórias de marinheiros, sobreviventes e até de Iemanjá. Contemplou durante longos minutos a suavidade e agressividade das ondas a percorrer e transpassar seu corpo. Sentiu-se invisível e assim mergulhou. Mergulhou! Pensava: “Seguirei a linha do horizonte sem parar”.
          Em repetidos movimentos mecânicos, borboleteou, maripousou e sapeou mar adentro. A água era fria, mas juntamente com a inconstância do mar, seguiu bravamente a linha do horizonte. Belo mar de águas esplendoras sem fim...
          Marcela, num contínuo movimento, ia com um único propósito: seguir adiante e sempre em frente. Adiante! Em frente! Sua ambição era longa, seu desejo, uma ordem. E Marcela prendia o ar e ia, ia... Quando a dor a atingia, respirava e afundava novamente.
          Como num transe, sua obstinação a guiava, sua persistência a motivava e sua teimosia exigia: Vamos, em frente! Seu instinto a alertou. Marcela não temia. Avistou a ilha. Faltava pouco. Adiante!
          Gotas dos céus começaram a cair, confundindo o olhar de quem se encontra entre o ar e o mar. Posêidon levantava seu tridente e lançava seu furor: uma tempestade. Golfinhos aflitos subiam e desciam, confusos pela mudança repentina do seu ambiente. Marcela prosseguia. Não estava longe, faltava muito pouco. Num estado de êxtase absoluto, acelerou seus movimentos não mais tão precisos. Seu esgotamento físico era evidente, mas continuava. A escuridão era acentuada, a Lua não estava mais tão clara, mesmo assim Marcela não desistiu. E num mergulho infinito, Marcela soltou um leve suspiro. Criaturas marinhas eis que surgiram e entre suas nadadeiras, percebeu-se sereia.

Vanessa Morelli

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