O retirante
Naquela noite especial - era seu aniversário - tinha todos os motivos para estar alegre. Tinha uma casa espaçosa, uma garota bonita. Era tido em boa conta pelo patrão, querido pelos amigos. Conseguira vencer. Tinha a vida que sonhou. Não era lá grande coisa, nada muito vultuoso, é verdade. Mas nunca ambicionara demais. Queria apenas segurança. Poder fugir do estigma da miséria que acompanhou sua infância.
"Vida de sertanejo é sofrer", cantarolava o pai, entoando uma modinha muito conhecida lá da sua terra, dedilhando o velho violão, conformado, enquanto ele e os irmãos roíam as unhas de fome. A mãe rezava. Rezava sempre. Pedia clemência. Pedia chuva. E um e outro eram-lhe negados, embora vez ou outra, como resultado de sua oração e de sua fé - dizia - a clemência divina os contemplasse com espaços de tímida fartura, quando se podia comer e vender das parcas plantações que sobreviviam aos áridos tempos da seca.
Tinha seis irmãos. Dois homens e quatro mulheres. Na ordem: Vilmar, Maria Antônia, Maria Aparecida, Silvano, Maria das Graças e Maria de Fátima. O primeiro sumiu no mundo. Da segunda ao quarto, casados e com numerosos filhos. A quinta expulsa de casa depois que engravidou, conforme soube. Não sabia por onde andava. A sexta, solteira e cheia de fogo, como a mãe relatou, preocupada. Ele, o sétimo. O segundo a sair de casa. A desafiar o destino. Antes dele, só o Vilmar. Por onde andaria o irmão mais velho? Teria vencido também? Eram muito parecidos, ele e o outro. Tinham a mesma angústia no coração, o mesmo sentimento de insatisfação que os compelia a largar a família, as raízes, a ganhar a estrada em busca de um futuro qualquer.
Ainda tinha fortes recordações daquele dia. O dia da partida. Saíra fugido. A mãe não permitiria, tinha apenas dezessete anos, era o caçula, o mais velho já estava perdido para ela. Juntou algumas peças de roupas, um pouco de comida (mais da metade do que tinha na casa, tinha horror a sentir fome), partiu de madrugada. Não deixou sequer um bilhete. Apenas saiu porta afora, deixando atrás de si o estigma da pobreza, que era seu fardo.
Dois anos depois, mandou uma carta. Estava no Rio de Janeiro, contava, trabalhando. Salário pouco, muitas despesas. Mas chances de futuro. De ser alguém mais que um miserável sertanejo alugado de uma roça qualquer. A mãe respondeu, com sua caligrafia humilde. Tinha saudades desse filho ingrato. Estava contente de sabê-lo bem. As irmãs pediam notícias. Cartões postais. Presentes para as crianças. Vez ou outra ele mandava qualquer coisa. Lembranças baratas. Nessas ocasiões, perdia as noites antecipando a reação da velha, dos sobrinhos. Todos contentes com os presentes enviados pelo tio que vivia no Rio. Gostava de pensar que estavam contentes com ele, com sua esforçada e merecida sorte.
Por carta recebeu a notícia da morte do pai. Quis ver o enterro. Não teve dinheiro para a viagem. Pobre pai. Quantas vezes, nos dias vazios, se pegou imaginando o retorno à terra distante, coberto de fartura, suficiente para tirar os seus dessa crua realidade, dar-lhes a experimentar um pouco da vida que nunca tiveram. Nesse dia estaria completamente feliz, pensava.
Mas os dias não eram de sonhos. Eram corridos, apertados. Era preciso ganhar o pão, garantir o futuro. Com esforço estabelecera-se. Podia pagar o aluguel de uma casinha espaçosa, tinha uma mulher dedicada e honesta, com quem morava e com quem um dia iria se casar, se Deus quisesse.
Aos vinte e sete anos, sentado em uma mesa de bar, analisava sua trajetória. Superara as maiores dificuldades. Era sim, um vencedor. Sorriu para si mesmo. Fez um brinde no ar. Pousou o copo de cerveja na mesa, pensou no irmão mais velho. Por onde andaria? Pensou nos outros casados, que lutavam contra as dificuldades. Na grávida de filho sem pai, na solteira sem esperanças. Na pobre viúva mãezinha. Um dia, quando pudesse, iria ajudá-los, prometeu-se.
Bebeu o que restava do copo, levantou, com esforço. Estava bêbado. Olhou ao redor, procurando alguém em quem pudesse se apoiar. Estava sozinho.
Daniele Barizon