O HOMEM E O MAR
O sol se encaminhava para o horizonte e em pouco estaria se pondo. O espelho d'água da Baía de Todos tingia-se de um dourado-avermelhado magnífico possibilitando aos olhos uma das mais lindas imagens que a natureza proporciona. A embarcação repousava na enseada de Itapagipe enquanto aquele espetáculo se desenvolvia. Os dois velhos amigos de infância com suas linhas de fundo a espera da fisgada, um em cada extremidade do barco, observavam em silêncio contemplativo o desenrolar do ocaso.
Criado às margens da baía Mário aprendera a respeitar e amar aquelas águas que testemunharam seu crescimento, assim tornara-se um apaixonado pelo mar e aquele momento era um dos muitos que testemunhara. O por do sol é algo de infinita e inexplicável beleza e requer sempre instantes de reflexão, respeito e admiração. Excetuando o suave marulhar de pequenas vagas tocando o casco nada mais se ouvia. Era tudo silêncio. Os dois amigos apenas respiravam enquanto o sol lentamente sumia no horizonte. Otávio murmurou: - Marinho, que coisa mais linda, não?
Nenhuma resposta recebeu do amigo que de olhos fixos no horizonte parecia extasiado. Fez-se de novo o silêncio enquanto o sol lançava sobre o espelho d'água seus últimos raios. E assim quase que de repente a noite se fez enquanto Otávio retomava a pescaria. Vendo que o amigo continuava imóvel, disse: - Mexa-se homem, os peixes nos esperam.
Nenhuma resposta recebeu do amigo. Imaginou-o em prece ou algo parecido. Preferiu respeitar o seu silêncio. Em volta a noite cobria tudo prateando o mar antes dourado, aproveitando a luz da lua cheia enquanto soprava uma suave brisa de início de noite. Vendo que o amigo permanecia em silêncio resolveu conversar de novo com ele. - Mário, responde. Porque está tão calado?
De novo nenhuma resposta. Receando que algo estivesse acontecido deixou a pescaria de lado, aproximou-se do amigo imóvel, e o susto foi enorme. Ao tocar o ombro do companheiro este tombou de lado caindo no centro do barco. Só então Otávio compreendera porque o amigo não atendia seu chamado.
Aquele foi o derradeiro por do sol de Mário, um homem que viveu à beira-mar e pôde presenciar a maioria daquele espetáculo da natureza. E foi justamente com um por do sol na sua emoção derradeira que Mário despediu-se da vida na Terra. Um ser humano privilegiado desencarnou de maneira surreal, sem um átimo de dor aparente e justamente em um momento impar.
Valdir Barreto Ramos