ENTRE TRILHAS E LINHAS

O dia já se vestia da manhã quando surpreendi a trilha de chão com marcas da noite. Estavam ali as dentadas do escuro e os ácidos xaroposos do sexo
quotidiano entre mato e o ocaso. Eram nítidos os movimentos sensuais da boca da noite projetados na terra arenosa lambida da lapa sedimentada.

Naquela vagina fecunda e infinita me sentia abocetado com todos os viscos e musgos de um ventre florestal, sempre os visgos e músculos de um belo
matagal. A mata é meu lar e a terra minha cama. Se mato é barriga, a virgem-puta verde se deita com a noite e goza na terra pra fazer história e me fecundar.

No mato me sei eu, um ser válido e autêntico. Ali não sou esse simulacro de carne osso-aramada com roupa de grife que desfila sujo em quermesse de sexta-feira pra pseudo-santos e pândegos de plantão.

No mato me ouço orvalho e canarinho, leite fresco e pelourinho, amor-perfeito e picãozinho, sempre-vivas e cão mortinho, Tonico e Tinoco no radinho, Ferguson e Mercedinho, lobo guará e os três porquinhos - sem contar os veadinhos. 

Nessa trilha eu mal-me-vi e se não fosse bem-te-vi piar pra maritaca fofoqueira, minha figura passaria desapercebida por mim ali, pois nem o quero-quero nada pediu quando me viu. A saracura tratou de sara-curar-se quando viu a siriema fingir ser siri e ema pro sol. O macaco não entendeu quando o jumento lhe chamou de prego só porque o confundiu com esse Jerico.

Trilha de Jerico é benta e matutina. Uma verdadeira orgia de sossegos e dizeres de entrelinhas. Poesia efervescente brotada de todo canto sem a artificialidade natural do poeta, que não consegue fingir a sua natureza sem metáforas ou as arapucas do abstrato.

Senti-me pobre de mote inventivo e rico de poeira e carrapicho. 

André Jerico

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