nonadas
– para onde hei de ir? quem me há de querer? ficarei de novo perdido em Àssombradado, tal como andava antes de conhecer esta felicidade
o médico sorriu
– a não ser que você destrua esse manuscrito
– o quê?
– apague tudo e fique livre do que já escreveu sobre o tal de Biutótem, as letras podem ser apagadas, não é assim?
– oh, doutor, é isso mesmo. existe um processo químico, em menos de três dias eu limpo as páginas e liberto-me das psicotramas
– e então, sobre o papel virgem, poderá reiniciar as ministórias, passar outra vez anos e anos imaginando-as e reescrevendo-as, feliz, em estado de levitaçao
– como é estranho, doutor Bly, em cinco minutos o senhor resolveu o problema. o senhor é muito esperto. merece ler a minha obra-prima, antes que eu a destrua
– não, eu não acho necessário, meu caro Uilcon
– oh, leia pelo menos um parágrafo do meu livro sobre Biutótem.
o médico abriu o caderno e pôs-se a folheá-lo. depois recostou-se lentamente, os olhos arregalados, a boca muito aberta: naquelas folhas não havia qualquer palavra escrita, nada pintado ou desenhado – eram páginas e páginas em branco, nuas, lisas, sem nem um risco ou um borrão de tinta
Uilcon Pereira
Do livro: A Educação pelo fragmento, Editora do Escritor, 1996, SP