A ENTEADA

Chegara ao término da tarefa. Ele mesmo, em que muito pesasse o descorado senso estético, tentou erguer a paisagem do quarto que receberia a melhor presa, a carne mais gazela já degustada. Conseguiu? Assim, assim. Talvez alguma boa vontade aprovasse. Mas o resultado não foi nenhum requinte: a cafonice tornou-se inquilina do quarto. Porque ela fez beicinho e insistiu tanto nas pétalas rosas espalhadas ambiente afora e sobre a cama. Puro capricho de fêmea nova que se sabe apetitosa. Difícil foi descobrir as velas aromáticas, e suas tonalidades, e seus perfumes exatos. Cabritinha muito cheia de mademoiselles , ela. Os inevitáveis mulherismos aos quais todo homem que deseja ostensivamente um corpo gostoso está sujeito.

Chegara ao término da tarefa. Concluída a “surpresa” prescrita em pormenores como num manual de instruções. Não fora nada simples forrar teto e paredes com tafetá vermelho e filó. E o sem-fim de pirulitos enormes e coloridos e cilíndricos, logo acima da cama. À guisa de móbiles para distrair bebê, com os quais é costume adornar berços. Outra exigência dela. Está amém, querida... concordo... Vou dar um jeito, o quarto perfeitamente nos seus moldes. Não precisa pirraça, faniquitos. Nossa melhor noite dispensa tamanho estresse, calma. Último pente na calvície e no bigode, perfume chulé aqui e ali, orelhas e nuca. Arreganha a arcada dentária para os espelhos. Considera-se impecável o bastante para meter-se sob o edredom e, indumentária de Príncipe Encantado, nu da cintura para baixo, excitação adolescente, aguardá-la. Ânsia! Imagina as epidermes a gritarem queremos mais, os odores se interpenetrando, gemidos, o encaixe perfeito... cuidado! Nem papai teve coragem bastante para me possuir, embora eu sempre insinuasse muito... Dói um pouquinho... Assim... põe tudo... Aaaaaaiii! Não, continua... Maravilha... Os movimentos macios de línguas quentes. Como muitas vezes, o Lobo Mau (assim apelidara, carinhosa, o primeiro piru que seus lábios e bunda e boceta saborearam) o Lobo Mau impaciente e esfomeado. Deliciosa fome!... E pensar meu banquete logo ali no quarto de brinquedos, fazendo-me fetiche do seu prazer, pela espera quilométrica.

Num canto, tão abandonada e falecida quanto as várias bonecas com as quais a brincadeira morreu faz tempo para a mocinha, uma mulher. Quase todos os centímetros dum facão vagina adentro, lábios maquiados, no rosto um grito de horror. A expressão do quadro tétrico de Munch. Apesar dos quarenta e muitos anos de corpo moreno, o sutiã tem dificuldades em não deixar fugir o par de seios. No piso frio a anarquia de esmaltes, unhas postiças, batons. E como se em desespero, alguém me socorra por favor, lágrimas.Que não secam nos olhos e rosto da falecida. Que sangra vagina afora, fosse um desmesurado fluxo menstrual. Acorda, mulher! Coisa morta no chão... Ao menos finja alguma gentileza, me aplauda! Afinal, venci. E agora, serei você, sereia... Brindemos à vida! Ao homem, um dia seu, que agora me pertence! Olha só quantos vestidos na cama de princesa da cama. Escolher apenas um?!... Injustiça, concorda? Este, por exemplo, não é mais nem menos fofo que os outros!... Sequer posso usá-los todos ao mesmo tempo: apenas um saltaria aos olhos...

Produzir-se divina, o espelho por testemunha ocular. E silenciosa. Enquanto cansa a beleza das bonecas com interrogações ansiosas acerca de sua pretensa elegância. Estou maravilhosamente, Babi? Ah, economize saliva... Rasgar sedas eu dispenso, sua falsinha. Ai, droga! Tão insegura... Risadas enormes e sem controle, reflexo nervoso, enquanto calça luvas. Fragrância morango suficiente nas partes em que ele gosta de me chupar? Minha bocetinha dele está cheirosa? O que acham vocês, Babi, Zusy e esta mulher aí com cara defunta? Abre tranqüila o zíper frontal da saia, a calcinha lingerie, dedos nas intimidades, rompendo a caverna úmida. Assim... Hummmmm... No meio... Aqui... Cheguei ao brinquedinho com o qual ele mais gosta de fazer alegria. Um ligeiro teste, polegar e indicador às narinas... Ótimo! Está bem perfumadinha... Ele vai me gozar toda. Até eu morrer de tanto orgasmo, pernas arreganhadas, o coração arfante, oxigênio cadê? E depois, bom-mocismo, o sem-vergonha me ressuscita com um beijo encantado nos lábios. Sorri um canto de boca libidinoso, ordinária, ao mesmo tempo em que veste adequadamente sua feminilidade falsamente pudica.

Duas verdades habitando o mesmo quarto de brinquedos: a imaginação excita os hormônios, enquanto o domicílio é invadido por brisas noturnas, em cardume, atrevidas. Transpõem a janela aberta, esfregações, beijos na cortina. Que estremece seu corpo ao sabor, sensual. A friagem que envolve também suas amigas de plástico, o cadáver numa sangria inestanque, o cenário... tudo faz ressurgir as cenas. A história dos três.

Estava transversal em minha garganta o inconformismo com aquele casamento, sem as bênçãos do Céu. Espúrio. Ainda que algum religioso discursasse. Meu papai de verdade não havia nos abandonado de verdade as duas, mesmo com as freqüentes agressões verbais e as muitas feridas na paixão. Quase gangrenas. Purulentas. Ainda assim largou sem trancas a porta da frente. Esperança, o infeliz. Quem sabe um possível retorno à família onde grande parte de sua vida. Disposto mesmo a fingir nunca houvera aquela coleção de outros machos no guarda-roupa. Apenas eu e o bairro inteiro sabíamos. Papai foi o último a conhecer os fatos. Todos brincamos de chicote-queimado com ele, mesmo o carinho e a amizade ordenassem o oposto. Por mais pusilânime a facada pelas costas em sua paixão, era todo ternuras para com ela. Algum mel, ainda que aguado, naquela vida sem sal . Aceitaria perder a dignidade, ficar falado nas ruas, nos botequins, entre os feirantes. Mas não desmontar a cama em que por muito tempo dormiu o sono do orgasmo (e os gritos de prazer ela os fingia, eu sei) e do suor que acompanha a volúpia. Onde, liquefeito em satisfação, reconquistava o fôlego para permanecer vivo, meio inteiro, naquele mundinho que lhe era hostil, cuja única felicidade materializava-se no corpo duma mulher que jamais o amou. Carente dela, suas reentrâncias e cheiros, suas palavras alucinadas exprimiam um ardor que de vez em sempre ecoava aos meus ouvidos tenha misericórdia, me ame também. Do quarto de brinquedos ouvia tudo. Abraçada à Babi, à Zusy, às pelúcias dos ursinhos, quase chorando ódios. A vontade gritar pai onde está seu amor-próprio?!

Estava transversal em minha garganta o inconformismo quando o telefone se manifestou, sirene. A patrulha, com certeza. Minha virtuosa mãezinha em algum ponto da metrópole, a voz sussurrando “filha, a recepção do casamento acabou agora. Estamos indo, eu e ele. Por favor, ao chegarmos dispenso suas refinadas grosserias, entendeu? Se você ficar boazinha ganha um sorvete”. O cuco denunciava ponteiros vizinhos às duas. Baixa madrugada. Tarde, porém. Suplicar asilo na casa de vovô, impraticável àquela hora. Um tanto pirraça, outro tanto curiosidade, fui esconder-me no quarto dos recém-pombinhos. No guarda-roupa. No guarda-homens. Pela fechadura poderia assistir às cenas do espetáculo. O ultraje ao meu pai fosse intolerável, eu assumiria o picadeiro, e... era uma vez uma palhaçada. Seria divertido ver a palidez nos rostos, surpresa, constrangimento, pegos em flagrante delito...

Em pé os dois, próximos à cama que papai comprou. Livrara-se apenas da calça social e da cueca. E o que eu vi foi assustador. E belíssimo. Ela igual a meretriz luxuosa oferecendo-se à degustação numa bandeja. Ou saciando taras burguesas. Da farsa vestida na cerimônia, o véu. As unhas vermelhas, nos lábios brilho metal, pés descalços sobre o figurino branco que representou sua “pureza” em presença do vigário, do pastor, do Diabo a quatro. Como se. Entre os dentes, sutiã suspenso por uma das alças. Rebolava frenética, esfregando no piru gigantesco seu mistério há muito arrombado, rebolava o mesmo prazer que certamente já experimentara inúmeras vezes antes. Por baixo e por cima de vários outros homens, esfarelando papai. Os quadris felizes com aquela música obscena e odalisca que me penetrava os ouvidos sem bater na porta. Como se alguém metesse em minha bundinha à força, quase. As mãos desabotoando o terno cujo falecido era menor, a camisa amarelo-ovo manchada, suor nas axilas. Parecia um braçal, sem refinamento. Dedos ansiosos em vê-lo sem a gravata em que havia o Pateta sorrindo. Alusão ao meu pai? Raras vezes testemunhei homem a tal ponto desleixado. Só mais tarde percebi o quanto isso era miudeza: nunca saboreei macho que abusasse mais gostoso das minhas carnes que ele. Lobo Mau, me devorava. Rasgava-me do início ao fim no profundo de quase todas as madrugadas, após ter feito com minha querida mãezinha o mesmo, geralmente no quarto ou no banheiro. E quando ele partia para cima e para dentro de mim, o bangue-bangue na televisão era simples camuflagem. Medo brotassem suspeitas, apesar do sono pétreo no qual a madame sempre mergulhava depois de. Uma fome fantasticamente insana, ele!... Só faltava uivar para a lua. E ainda queria sobremesa, o danado!... Mordiscar meus peitinhos sempre tenros, veludo, algodão, seda, espuma de xampu, enquanto os corpos serenavam. Até o desejo nos morder, outra vez irrefreável. Se o Paraíso é um fato, jamais estive tão vizinha de seus arredores como naqueles dias em que aprendi a lamber o aroma natural do corpo masculino. Do pescoço à virilha, passeando pelo tórax. Quanto mais peludo mais delicioso.

Ela só não estava mais vagabunda do que eu estaria, alguns anos após. O vapor de sódio, pássaro típico das noites e madrugadas metropolitanas, atravessando a janela, pousava no casalzinho apaixonado e assistia aos lábios aflitos sugando aquela enormidade entre as pernas dele. As mãos como se a guloseima ameaçasse fugir. Menina que chupa depressa seu pirulito maravilhoso antes que a coleguinha mais esperta o roube. Ofegante. Engolia tudo numa sofreguidão!... Subitamente a cadência se acalmava até quase aquietar. O sorriso de baixo para cima olhando nos olhos perguntava, dialeto sem palavras porque íntimo, “está gostoso para você, meu gostoso?” O prazer expresso no rosto como resposta. As palavras carinhosas da mudez eram o aceno para que língua e boca voltassem a se ocupar exclusivamente com aquele bombom rosado, macio. Até o recheio esguichar. Para que pudesse lamber o chantili quentinho. O rosto melado enquanto sorria. Ordinária! Ordinária! A carne estava feliz. Será que o mesmo frenesi, a mesma entrega, com papai? Duvido! Ele sempre jururu pelas esquinas da casa, como quem ao abandono. Sabia extintos o amor e a paixão por parte dela, embora aceitasse abrir as pernas (e só as pernas) nas noites em que o tédio a sufocava, nas madrugadas sem algum de seus prediletos.

De repente: umas explosões, um fogaréu começara. Entranhas adentro, minhas partes queimavam. Os hormônios duma mulher que eu não era, na prática. Ainda. O sangue voando nas artérias, o coração descompassado. Uma nítida inveja, de tanto espreitar a pouca-vergonha. Quisera eu estar nas mesmas posições lascivas daquela... senti-lo inteiro, muito em casa, aqui dentro... As cenas criaram um imperativo e tomou conta, irrevogável: também eu queria ser puta, entregar-me a todos os homens da rua, na rua, nas moitas, do bairro... O gosto só poderia ser um transbordamento, tamanha a intensidade dos gemidos, contorções. E invocava habitantes do Céu ao mesmo tempo em que suplicando seu diabinho fizesse mais e na hora, muito mais e agora! Força, meu amor... Eu exijo! É o justo para quem se entrega toda! Planta você direito e inteiro em mim, porra!... Surpreendi meus dedos acarinhando-me. A parte mais secreta e louca, e os seios endurecidos. Todos à espera duma língua intrometida o bastante. Ai... ai... Jesus! Coisa delirante! Meus dentes quase rasgaram o lábio inferior, arrepios em corredeira navegando a pele, as labaredas só faziam aumentar, estremeções inéditas. E aumentando... e aumentava... Aquela umidade anormal, viscosa, a calcinha em pântano. Eu olho d'água, origem dum rio caudaloso, enfurecido, em busca de sua foz. Não, Minto! Antes cachoeira a trovejar suas águas com tamanha força que respingava em minha roupa de baixo. Enquanto pela fechadura eua a percebia. Não menos encharcada. Na cama, habitat natural. Espartilho e cinta-liga. De gatinhas, o rabo empinado, rebolando seu convite irrecusável, ansiosa a felicidade a dominasse por trás duma vez. Sem maiores falações. Mas nas palavras, atriz, a propositalmente mentirosa e incendiária virgindade menina, na voz infantil. Pára, moço... está fazendo dodói no meu bumbum!

— Não pára! Ai! Gostosa esta dorzinha... Vem, querido... vem cá, põe dentro do... Ai! Assim... Força! Eu agüento, você sabe... Ai! Mete! Mete! Prova que é macho, masculino e homem! Finge eu sou a melhor cadela no cio que você já comeu nas esquinas da vida.

— Então diz... xinga eu sou um depravado!

— Maníaco sexual... Quantas vezes quiser... Minha exclusividade! Você e este dom divino e enorme e grosso, sempre em posição de sentido. Melhor ainda quando ele se esconde aí dentro da bundinha e cospe com força o melzinho quente.

— Maravilha... Gostoso ouvir suas palavras sacanas... Continua!... Aqui, no ouvido...

— Falo. Mas agora não. Primeiro você me executa. Vai logo, faz sua parte, porra!

— Então toma!

— Ai! Maaaaaais... Encaixa! Assim...

Já sem forças para manter o silêncio: inteiramente lambuzada com o sal viscoso da masturbação, escapou um brado heróico retumbante, que eu sempre julguei condenável. Até àquela madrugada, reprimia meus dedos sexomaníacos: só a imaginação rolava, com os lindérrimos da escola, na cama e na grama e na lama. Foi um urro animalesco! A cidade inteira deve ter ouvido. Se até a porta do guarda-roupa, medrosa, preferiu não mais me dar guarida... Eu ainda naquele planeta multicor para o qual o orgasmo nos remete quando muito intenso. Reflexo causado pela necessidade da boa imagem preservada (enganar a quem?), arrancou de sua bunda a coisa dele. Surpreendida, tentou inutilmente se reorganizar, vestir outra vez sua fictícia mulher-virtude. Rapidez, papel higiênico, calcinha, mãos no cabelo, vestiu-se. A boca, antes ocupadíssima, tarefa prazerosa, cuspiu-me desgraças. Ele simulou uma irritação com a minha presença de repente. Uns esbravejos que não eram. Mas, intérprete muito medíocre, sua fisionomia evidenciava a excitação ao ver eu assisti a tudo. Em minúcias. Talvez por isso impediu, calma meu amor não perca o rebolado, impediu eu fosse vítima daquela mulher furiosa. Cujo ódio ordenou aplicar-me uma surra sem limites. Que ficou reduzida a dois cinco dedos abertos no rosto.

O suficiente. Só mais um motivo, além de pretender vingar papai. Declaração de guerra que não verbalizei para não armar a inimiga. Trégua? Quando fosse eleita sua putinha preferida. Queria adquirir as habilidades todas, fazê-lo gozar mais e mais gostoso que com ela. Para sangramento e morte da união entre ambos. Foram cálculos minhas frases duplo sentido, meus olhares, a língua umedecendo os lábios sempre que em presença dele sozinho. Os desfiles noturnos na sala, camisola transparente, enquanto ele testemunhava os últimos filmes da única emissora que sobrevivia às altas horas. Os perfumes, meu cabelo aparentemente desorganizado, a porta do quarto entreaberta, a luz acesa. Tudo para que acontecesse. Até que aconteceu. Já perguntava a mim mesma até quando ele iria conseguir suportar a tentação. Invadiu silencioso, eu sob o edredom como se dormisse. Era possível ouvir seu temor pela respiração apreensiva. Tive que conter meu impulso de gargalhar, infantil aquela tremedeira que ele sentia. Após longos minutos certamente pesando os riscos, o que me pareceu horas e horas, vestiu-se coragem necessária para carícias e beijos frouxos nos meus ombros... nuca... Os lábios desceram costas abaixo.Virei-me de frente, abri os olhos e as pernas. Meu rosto e bocetinha riram-se para ele. Completamente nua. Escorrendo. Sedenta. Famélica. E vingança.

_— Será o meu padrasto também comigo o homem que faz a mulher do quarto vizinho enlouquecer em certas noites?

— Não duvide... Não me provoque...

— Provoco! Vem cá! Come o tanto o quanto você for capaz, vejamos se é mesmo macho. A outra, que está roncando o décimo sono, feliz, não é teste. Exigente, mas para satisfazê-la basta uma, bem feita. Coisa dos quase cinqüenta anos. Agora vem, melar a fogueira adulta que arde neste corpo ainda virgem, quero ver. E sentir.

Minhas pernas eram travas em suas costas, calabouço do qual não seria difícil a um homem fugir. Mas, eu fogosa e apertadinha demais, ele nem pensou tentar. Ao contrário, pudesse nunca sairia de cima. Nem de baixo.

—Vou... vai... eu vou... Hummmm... Enfia! Em... em... em... mimmmmm...

— Gostou?

— Vamos brincar mais, meu Lobo Mau de estimação?

Serenos, canseira, suores percorrendo a pele, alguns sussurros e afagos, interroguei-me em silêncio como pude suportar, todo, aquele colosso que me rasgava de fora para dentro. Durante minha entrega a ele, o maior prazer do mundo, não senti precisamente a dor causada pelo piru entrando e saindo vigoroso, gulodice insana. Muito maior o deleite. Algum tempo de murmúrios sem culpa percebi sangue e esperma unidos numa terceira substância. Qualquer meia dúzia de passos era um incômodo, machucava sentar. Melhor assim. Finalmente adeus à virgindade! A partir do rompimento da fita inaugural, eu, antes território cobiçado por muitos, eu terra de ninguém. Porque de todos. Borboleta liberta do casulo, sexo passou a ser exigência fisiológica. E ofício. Graças a ele, masculiníssimo padrasto. Primeiro homem, abriu caminhos para os muitos que me comeram depois.

Arrumada. Rápido trejeito diante do espelho, última mesma pergunta às suas risonhas bonecas Babi e Zusy. Estou impecável, bem pecaminosa e muito princesinha, amigas? Exultante. Por sentir-se lindérrima; pela certeza de que seu homem, antes propriedade materna, a espera no quarto do ex-casal. Transbordando tesão, ereto, centímetros enormes, intenso. É que comigo, mamãe... Lamento tanto... Comigo sente-se muito mais viril. Porque o fogo que trago dentro do rabo ele sabe apagar. E meu corpo só tem quinze aninhos. Mas a vagabunda que me habita já nasceu adulta. Sei, você já não existe, pára de repetir, matraca! É por causa desta lâmina enterrada na boceta que você não larga de me encarar? Está ouvindo? Sabe eu ganhei a concorrência, estou melhor piranha que Vossa Majestade um dia foi? Nem adianta chorar aí, largada no chão, fazendo-se vítima. Mais adjetivos na cama, no sofá, no tapete... Minha vingança em honra de papai está pronta, enfim. E com a ajuda do seu amor, que lhe segurou as resistências do corpo e os gritos para eu perfurar, num só golpe, o ponto exato.

Década e meia voaram pela estrada do tempo e ele foi preso, suposta pedofilia. Manchetes, tentativa de linchamento, um desses especialistas que a mídia fabrica traçou um perfil psicológico mentiroso do “Bicho Papão da Metrópole”, segundo a imprensa o batizou. Que injustiça com o meu Lobo Mau! Se fui eu a tentação à qual impossível ele resistir!... Coitado, é que após experimentar meu sabor, único, roído pelas saudades, passou a buscar-me noutras carnes ainda imaturas, infantis...

Neste momento, ao término deste conto, no qual romanceei algumas passagens para fugir ao caráter memorialístico, creio de bom tom escrever uma carta para ele. Reconfortá-lo. Antes que apodreça na penitenciária. Talvez qualquer dia desses, antes de ir ao meu consultório de psicologia, faça-lhe uma visita em nome dos bons tempos. Íntima, se possível. Mas chega de escrever, tenho cliente na agenda para daqui a pouco. Que paga muito bem apenas para meia hora de sexo oral. Poderia ter abandonado, faculdade concluída e profissão estável, mas adoro ser puta. E foi cobrando muito caro que cheguei até aqui.

Eduardo Selga

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