LOTERIA
“E assim quero que a vida aconteça: um apartamento amplo e planejado, um sucesso, um automóvel, uma esposa e dois filhos”, pensa Luis como um mantra, ao atravessar a avenida Getúlio Vargas, desviando-se dos automóveis lentos e das palmeiras imperiais enterradas em canteiros centrais minúsculos. “Desejo, ainda, muitas viagens e tempo livre. Preciso, também de estabilidade no emprego e um dinheiro para as intempéries”, repete esse pensamento como um sermão do padre Augusto, que ouvia na missa de domingo, na infância. O vento outonal voa pelo entorno de seu corpo, e Luis continua: “desconheço os ventos que regem a maré da vida. Só conheço esses elementos materiais — casa, sucesso, automóvel e família — e a calma como âncoras do meu barco”. Passa diante da livraria do Globo, ao lado de uma locadora escondida em um posto de combustível. “Preciso de livros e idéias. Também quero muitos filmes. Quem sabe, escreverei o roteiro de um longa-metragem ou um curta-metragem. Se passar na TV, fico feliz. Se restringir à internet, farei tudo para que se torne cult” e completa o pensamento abrindo e fechando a mão dolorida e com tendinite de auxiliar administrativo. “O que desejo é apenas a tranqüilidade. No dia que obtê-la, talvez pare de procurá-la ou encontre desejo para obter novas conquistas”, e completa essa reza particular ao entrar na lotérica, onde joga no 8, 16, 34, 52, 59 e 60.