A ADAGA DE PRATA
I
O mar Tirreno estava lá embaixo, como resto de tinta azul escura, derramada, do pintor escolhido por Deus, quando ele pediu que decorasse a costa da Italia à Grécia.
Os arqueólogos abriam os nichos no Rochedo que guardavam corpos de gregos e romanos que lutaram em diversas guerras nessas paragens.
A Itália tem algo em sua atmosfera, que preserva os corpos dos mortos.
Quase chegando à Grécia, o rochedo escuro, não foi contudo totalmente aberto, mas, o último esquife, em folha de bronze, revelou o corpo de um soldado em sua armadura romana, com uma adaga embainhada numa bainha de prata.
O jovem homem, de uns vinte anos, fôra louro, traços de sua face belos como uma estátua em carrara.
Junto com um dos arquólogos, estava sua filha Efigênia.
Aproveitando-se da distração do pai e dos funcionários que ouviam instruções dos arquologos, Efigênia, retirou a adaga do estojo de prata da cintura do corpo do soldado.
Tudo anotado, os sarcófagos foram novamente fechados e selados.
Foi deixado um atestado de conservação e propriedade, numa placa de mármore previamente preparada, na gruta dos rochedos sobre o mar silencioso lá embaixo.
Todos se retiraram, indo Efigênia e o pai para a casa nos rochedos de Santorini, onde residia um dos arqueólogos.
Na varanda daquela casa branquinha, Efigenia olhava a noite estrelada com uma lua quase cheia.
Apoiada numa mureta do minúsculo jardim da casa, olhando o mar, Efigênia ao céu estrelado, fez um pedido:
– Que eu possa devolver a adaga ao seu dono sobre a Terra.
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De volta à sua casa, um apartamento na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, olhando o mar que banhava a enseada da cidade no Brasil, Efigênia se sentiu terrivelmente só e perguntava a si mesma, se encontraria o antigo proprietario da adaga romana. Os pais de Efigênia, eram ricos e frequentadores dos ricos que encontravam nas noites cariocas, seu lugar de diversão.
Efigênia se sentia melancólica e triste: ela, de bom grado, abandonaria essa sociedade rica, apreciadora de novidades trazidas pelos cozinheiros com bebidas também constando, das últimas novidades para as mesas desse país do sul da América.
Efigênia pressentia uma rel[iquia em si mesma: em meditação, ela apelava para si própria.
Dentro de si, desfilava um panorama antigo do mundo: nesse panorama, se via sacerdotisa das religiões que originaram a Mitologia Grego-Romana
– não somente sacerdotisa, mas ágil agente dentro dos mistérios dos Templos.
II
Enfim , veio um convite de Brasilia, de Ana Elisa, sua antiga colega de escola.
Chegando em Brasilia, num sábado, Efigênia foi apresentada no almoço de domingo, ao amigo de Ana Elisa, Miguel de Abrantes. No momento em que Ana Elisa foi se arrumar para saírem, Efiênia teve o ensejo de conversar com Miguel.
Notou, logo de início, que Miguel não associava seu gosto por Arqueologia e Mitologia Greco-Romana com a parte esóoterica de todas as antigas religiões.
O passeio dos três e o encontro com mais amigos foi constrangedor para Efigênia.
A semelhança de Miguel com o antigo combatente romano de quem Efigenia retirara o punhal, era tão estraordinária que ela não conseguia desviar o olhar dele e vê-lo namorando a amiga, aos beijos de enamorados
– uma agressão tão forte à sua sensibilidade que ela acabou por embebedar-se com champagne. A turma teve de levar Efigenia bêbada para casa e quando, ao amanhecer, Efigênia constatou que o casal de namorados tinha dormido fora, teve a fraqueza de desejar se embebedar=se outra vez.
Em seu quarto, a moça retirou o punhal que sempre trazia consigo, da mala de viagem, e beijando-o pela primeira vez teve de fazer um grande esforço para não enterrar a arma em seu peito.
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Na noite sobre a Cidade do Planalto Goiano, Efigênia tinha os olhos fixos na Lua Cheia, símbolo da deusa Diana, a deusa que dominava o submundo
– e as revelações d a Morte e da Vida.
Ali, sozinha no terraço da casa, Efigênia ergueu o punhal para a Lua, encomendando sua ida ao Reino, inacessivel para muitos, mas não para ela,
que procurava através da morte um encontro com a Vida.
Foi então, que ouviu uma voz atrás de si:
– Está querendo se matar?
Era Miguel.
Efigênia o contemplou, o olhar traindo a derrota da luta de sua alma, o desespero em seus olhos castanhos dourados. Ainda por um segundo, pensou:
"Eu entrego opunhal a ele? Não, é uma relíquia que trouxe de uma inspeção arqueologica, devido a uma atração incrivel que senti pelo corpo de um antigo guerreiro romano"...
– Ele se parecia muito com você.
Miguel sorriu e estendeu a mão:
– Deixe-me vê-lo.
"Não, nunca mais"...
E sem que ninguém percebesse, arrumou a mala, saiu escondida, viajou diretamente para Sorrento, na Itália, perto dos Rochedos que guardavam os corpos dos soldados. Ali empregou-se como guia turística, e foi assim que Efigênia refugiou-se no Reino de Diana, até próxima chamada dos deuses, para exercer sua missão de Pitonisa Eterna nas Regiões do Espírito. A seu pedido fôra enterrada com o punhal de prata em seu peito, guardado entre os seios intocados pelo desejado amante.