O LIVRO XIS

Nem bem o meu livro Xis inaugurava o seu estratégico ofício, indigitando ao frêmito e ao rubor seus primeiros leitores, e logo eu saía pregando cada exemplar embebido em sal em cada uma das cruzes dos postes das ruas, como esconjuro, para que ficasse bem revelado antes de ser esquartejado, já prevenido por outras inconfidências, pela saga de Tiradentes e da minha própria irmã desencarnada às esconsas pelas forças das trevas, feitiços para-oficiais, legiões de demônios e afins, justo quando se abalançava a um grande vôo na sua carreira literária, e concluindo que tais demônios rondavam de preferência a excelência dos textos nascituros, de insuspeitada vanguarda e, ainda mais, depois que originais do meu XIS foram arrebatados da pasta por inopinada ventania, suas folhas remoídas pelos carros e pedestres na lama do asfalto e, depois de recolhidas, restauradas e, em parta, reescritas, e de providenciado que estivessem sempre comigo e a salvo, à mão e à vista em todas as horas dos dias e das noites, até o prelo, dediquei afinal a raridade à memória da minha irmã, em despique tardio aos espíritos imundos que a trucidaram, registrei o título Xis no notário local da comuna, e com o meu verbo mexendo, engatilhado nas mãos, eu deslizava, célere, pelas ruas, pelas caladas, ora como em um filme plácido, de câmeras potentes, dependurando, um a um, meu livrinho nas cruzes dos postes das ruas, cobrindo em um ai inúmeros quarteirões, os bairros inteiros e toda a cidade, ora como em outro filme pueril, de norte-americanas catástrofes, desbaratando monstros caricatos que me rilhavam os dentes e atravessando tsunamis que se abatiam sobre mim, até chegar de novo, incólume, ao reduto das praças e à tertúlia das livrarias, com meu livro Xis causando muito zunzum, tititís, não tanto porque parecesse um negro ou um índio morto dependurado por toda parte, balançando nas cruzes dos postes das ruas, ou porque estivesse indiscretamente exorcizado com as marcas d´água do sangue das cinco chagas de Cristo, mas porque sacolejava a cidade como se o primeiro míssil afinal devolvido da pacificíssima Rússia, tudo isso de estranho e semelhante ao de cujo conforme, tintim por tintim, escutei da minha irmã em seu leito de morte, a me cantar, inclusive, nomes, apelidos e escalões de alguns bruxos da cidade, seus locais de sabás, o que devo escrever para imobilizá-los, e do quanto e de como podem ser perigosos esses demônios literatejantes, o que por mim solenemente ouvido e anotado, levarei a cabo na hora oportuna, porque comigo, maninho - maninha, te juro  – a escrita vai ser diferente.

Ademar Ribeiro

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