O caçula

                  O casal já idoso apresentava aos amigos o filho extemporâneo, recém-nascido. A gravidez fora tão difícil que acarretara um longo recolhimento da vida social. Sté nas missas dominicais a ausência da mãe fora notada. Mas agora festejava-se com intensidade aquela jublilosa dupla presença.
                  À reunião compareciam os parentes distantes e até a filha mais velha, que já morava fora de casa. Era uma família unida e conservadora, onde os filhos não discutiam ideias e ordens paternas, tidas como manifestações divinas e, portanto, acima de qualquer contestação.
                  Sobre a mesa da sala de jantar, a toalha branca de renda valenciana que acompanhava os grandes momentos das celebrações familiares, no decorrer das três últimas gerações. A louça, se bem que um pouco desfalcada, era a mesma de sempre: aquele aparelho inglês com cenas de caça em bosques distantes, presente de um padrinho de casamento. Os talheres todos expostos, mesmo que não fossem usados depois, mas espalhando brilho. Em tudo o esmero e o requinte que a posicção social do casal exigia.
                  Em dado momento, a hora já se adiantando em direção à noite, manjares e quitutes já servidos, taças e taças no vaivém dos garçons, o pequeno começou a chorar com insistência. Foi quando observei, no peito da vilha mais velha, um fio começando a escorrer dos seios e molhar o vestido.

Astrid Cabral

Do livro: Mínimas, Editora KD, 2016, Rio de Janeiro/RJ

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