UM ESTRANHO CASAMENTO

        Sempre suspeitei de minha esposa, Doutor. Ela fica muito tempo sem me ver, até dias, e quando cobro satisfação, sorri debochada, me provocando... eu falo na nossa situação, ela de sexo, me irrita com tanta arte... mas raiva, não guardo. Já bati muito naquela bunda.

        O Doutor talvez desaprove, eu também achava indigno espancar mulheres, mas, conhece a minha? Fica dias (sim, DIAS) sumida. Muitas vezes, (quase sempre, na verdade) arrumo tudo sozinho, fácil, sou organizado e não temos muita coisa no lar, se é que isso se chama lar, quarto, sala com banheiro, sem cozinha, a gente compra comida horrível pronta... Ah, que saudades da comida que mamãe fazia...

        Não que ache ruim, quando penso no assunto. Minha mulher não sabe cozinhar, ou se sabe nunca vi. Eu, menos ainda. Ela vive na rua, assim é até mais fácil pra mim cuidar da casa. Bom ser pequena.

        Mas falava que ela fica dias sumida. Sim, trabalha, é enfermeira. Às vezes tem que dar plantão. Eu tô desempregado, mas não vá o doutor pensar que me revolto, também não aceito, mas emprego hoje em dia tá muito difícil, ainda mais que não tenho condições de sair daqui com freqüência...

        Não entendo muito de hospital não, mas cá pra nós: os plantões deles duram dias e dias? E se durassem, será normal só ela ser chamada pra todos? E será que os plantões são tão freqüentes assim?

        Um homem desconfia...

        Vá lá, também não era nem sou santo. Uns minutos longe dela bastavam para delirar. Arrumo a casa (casa! Ha ha ha...), nem 15 minutos, vejo TV, e o jornal pra procurar emprego, saio com os amigos,  semanalmente à cidade atrás de emprego, além de tudo moro longe do centro, preciso de carona, e só tá disponível pra mim uma vez por semana... no tempo livre? Fico a remoer meus ciúmes...

        “Será que ela tá se comportando? Será que ela tá só trabalhando? Como ela se diverte com as amigas? E com os amigos (meu Deus, ela tem amigos!), como será?”

        Não devia desconfiar dela assim, mas que se há de fazer? Desconfio.

        Por acaso eu mando no meu coração? Por acaso no mundo há quem mande no próprio coração?

        Em todo caso, uma coisa que gostaria que ela parasse, ou pelo menos diminuísse, são os sorrisos. Bons quando quero uma foda, tão freqüentes quando ela tá comigo, mas péssimo, para meu equilíbrio, quando se tá semi louco de ciúmes.

        Quero pergunto: “Querida, com quem cê andou? Como se portou? Com quem saiu? Como foi seu trabalho? O que cê come quando não tá aqui comigo? E com quem? Onde cê dorme?”

        Estas perguntas não faço, mas outras, muitas outras, não tenho coragem de perguntar o interessante. Pergunto bobagens e mentalmente pergunto:

        “Cê me trai? Me trai? Me trai, meu Deus, me trai?” No meu pensamento, pergunto isso. Verdade que cada vez menos. Na vida real, nunca terei coragem...

        E ela, sorri debochada...

        “Ciumento!”

        E o sorriso dela doutor! De vaidade e de pena, de desprezo e carinho, só as mulheres experientes e apaixonadas sorriem... sabe muito bem que nunca vou deixá-la, o chamado pra foda é mais forte que eu, pelo mesmo motivo nunca farei nada grave...

        Mas me diga, Doutor: palmadas, ou chineladas, é coisa grave?

        Não acho, se fosse muitos pais iam pra cadeia – sem falar de mães, irmãos e irmãs, namorados, até namoradas, maridos e esposas, que um dia perderam a cabeça diante de tanta provocação... As mulheres, os homens também, vá lá, o ser humano sabe deixar o próximo desesperado.

        Não posso proibir ela de sair de casa – como viveremos? Não posso matá-la e nem deixá-la – como viverei? Bater nela, pra valer, no rosto, nos órgãos vitais, deixar marcas? Mas ela é tão bela...

        Agora, mandar o chinelo no bumbum dela, enquanto meto, isso posso, faço, não deixa marcas nem lesões permanentes, não fica visível para os curiosos e ainda punha ela no lugar...

        “Punha ela no lugar”! Como se não o quisesse ela! E agora não tem mais sentido se quero isso...

        Agüentei muito dela, Doutor... hoje nem tanto, sei que ela é assim e gosto dela assim. Mas antes, ela sorria e eu sentia tanta coisa, sofria tanto...

        O sorriso, sempre igual, produz efeitos diferentes em horas diferentes... um minuto, sorriso: queria meter; alguns minutos depois, sorriso: queria matar; mais alguns minutos, sorriso: queria morrer; e sorriso: queria, e quero, bater; e sorriso: chorava, ou ria, ou gritava, ou implorava, me humilhava, a humilhava...

        É como se eu fosse um robô e o sorriso, o controle remoto, nas mãos, ou melhor, nos lábios dela...

        Não vá o Doutor pensar que era sempre assim. Não. Quando vim morar nesse bairro foi que ela se insinuou: “pobre moço, menino rico e agora mora aqui...”

        Chorei de ódio. Desempregado, deserdado! Nada a fazer, eu não aproveitei as “vacas gordas”, como dizem, pra estudar, pra aprender um oficio... começava a romaria, porta em porta de empresas, os sorrisos dela e os nãos dos outros...

Porque ela me sorria. Sempre o mesmo sorriso. Cínico, caridoso, safado, arrogante, esnobe, debochado... ela começou a se         despir. Chamado pra foda, o primeiro, não agüentei.

        Pinto meu naquela buceta. Balançando e balançando, rápido e rápido. Papai-e-mamãe. Cachorrinho. Ela por cima. Sentada no meu colo. Sempre pinto na buceta.

        Meu pau: grande. Buceta dela: aperdadinha e molhadinha. Gostei da foda, e também de poder dizer: “Perdi tudo, mas sou     macho”...

        Mas doutor, que macho era? Vivia pensando nisso!

        Ela trabalha e eu não. Ela traz comida, roupa, jornais, me providenciou TV, tudo... e eu? Vou de porta em porta ouvir não atrás de não, e arrumo a casa, e jogo conversa fora com os outros daqui, a maioria fodidos na vida feito eu...

        Justiça seja feita: ela nunca me cobrou nada.

        Mas eu cobrar, como? Ela que usava as calças nessa (blasfêmia chamar assim!) “casa”.

        E queria, quero cobrar. As ausências e as desculpas, sempre as mesmas, nenhuma rotina confiável. O Doutor não sabe o que é amar, e não poder controlar. Não saber do amanhã, querer saber e ouvir:

        “Ciumento.”

        E sempre o mesmo sorriso. Sempre a mesma em qualquer circunstância...

        Um dia olhei no espelho e disse: “Meu Deus, se ela me trai, nada posso fazer.”

        Nas mãos dela. Pensei em acabar.

        Não podia, o pensamento de ficar sem ela me tortura.

        Tentei controlar.

        Cheguei pra perguntar:

        “Quando, como, onde? Com quem, porque, e SE? SE? SE?”

        Mas, nada disso saiu: ao invés, perguntei as mesma banalidades de sempre, gaguejando, e ela, sorrindo pra mim:

        “Ciumento.”

        Tentei disfarça em conversa fiada:

        “Suas amigas nunca vêm nos visitar? Eu gostaria de conhecer os seus colegas... me diz, como é seu serviço, seus pacientes dão muito trabalho? Seu chefe, te trata bem, te dar muito problema? Talvez fosse melhor outro emprego, cê trabalha tanto, dá tanto plantão e ganha só R$ x... ”

        Isso, minha boca. Meus olhos: “Cê me trai? Me trai? Me trai, meu Deus, me trai?”

        Ela sorrindo: “minhas amigas vivem ocupadas, meus colegas são uns bobos, os pacientes dão trabalho mas pagam por isso, meu chefe nem me olha, manda e vai embora, trabalho muito mas gosto, R$ x... não é pouco, dá pra nós...”

        E sorrindo, olhando meus olhos:

        “Ciumento.”

        O mesmo sorriso, tantos sorrisos, todos iguais, podem ser diferentes, eu faço as diferenças...

        Com o tempo nosso dialogo foi só perguntas minhas, respostas delas.

        Olhos meus:

        “Cê me trai?”

        Sorriso dela:

        “Ciumento”.

        Os depois das fodas ficava cada vez mais triste. Ela sabia que nunca me livraria do desejo, e sabia que eu era louco de ciúmes.

        Disse um dia:

        “Cê faz isso de propósito, não vou mais tolerar!”

        Sorriso.

        “De agora em diante vou perguntar a sério, cê me responde sério!”

        Sorriso, peito a mostra.

        “Cê fica tempo demais la fora...”

        Sorriso, peito a mostra, avança pra mim.

        “Me tentar não te ajudará!”

        Sorriso, peito a mostra, tira a saia, continua avançando.

        “Vamos conversar sério!”

        Sorriso, peito a mostra, camisa aberta, tira as calcinhas, avança pra mim, olhos nos olhos. Meu pau não cabe na calça e dói.

        “Eu... não respondo por mim!”

        Sorriso. Ela tava só de camisa, seu Doutor, e mesmo assim, os peitos de fora! E a vulva, chamando meu pau. As coxas, roçando nas minhas. Ela pegou meu pau, doutor. E não tive mais coragem de falar nada...

        Mas, reuni um restinho de força! Ergui a mão. Desci com força nas ancas dela. Como se chama o lado da pessoa, na altura das nádegas? Quando a pessoa tá de lado, a região entre a cintura e as coxas, vista de lado, como se chama? Ancas? Então, bati lá.

        Bati forte, ela deu um gritinho e continuou sorrido. Meu pau tava na mão dela, duro, e grande como nunca pensei fosse ficar um dia...

        Doutor, ela esfregou o pau meu na entrada da vulva e disse:

        “Bate mais, mais, mais...”

        Eu tava com vergonha, Doutor. Eu achava que nunca iria brigar com ela, afinal ela era, e é, minha amada esposa... mas ela dizia: “bate mais, mais, mais...”

        E eu bati, Doutor. Com meu pau dentro dela, bati nas ancas dela. Se for esse mesmo o nome, nasci rico, mas não estudei, então além de pobre hoje sou inculto. Mas acho que é ancas mesmo. E o Doutor, que acha?

        Também pode ser “quadris”? Bom, o nome não importa, o Doutor sabe a que me refiro. Importante esclarecer que não foi nas nádegas, mas por ali, de lado, na mesma altura.

        Eu disse que ela esfregou o meu pau na vulva. Nessa altura, ela largou meu pau e me segurou na cintura, levantou uma perna e a apoiou na cama, que tava atrás de mim, de modo que pode ficar em pé, na minha frente, com as pernas abertas.

        Assim, a vulva dela pode chupar meu pau. Juro, a vulva dela chupava meu pau.

        Sei que é difícil crer, Doutor, mas é, foi! Não sei como foi possível. Só sei que foi!

        E eu, sem parar de bater nas ancas, ou nos quadris, entrei nela completamente e me mexi, saindo e entrando, saindo e entrando, ela comandando, dizendo:

        “Vai... não para... e bate mais, mais, mais...”

        Doutor, não quero que acredite. Até eu duvido do que vi, ouvi e senti. Mas a verdade é essa: ELA MANDA NO MEU CORPO MAIS DO QUE EU!

        Aí ela me jogou na cama e caiu em cima do meu pau. A vulva dela engolia meu pinto, e depois cuspia, ela dava um pulinho e caía de novo no meu pau, que deslizava pra dentro e pra fora de sua buceta.

        Ela me disse pra continuar batendo, e eu bati, ou melhor, minhas mãos, guiadas por ela, continuaram a bater nas ancas, nos quadris, lá onde o Doutor sabe, enquanto meu pau deslizava pra dentro e pra fora. Nunca vi meu pau tão grosso.

        Os suspiros dela, Doutor, haaaan-han-han... e o barulhos dos tapas: plaft, plaft, plaft... nas ancas, quadris, ou que nome tenha, deram prazer, Doutor, domínio dela, prazer nosso. E gozei...

        Meu jato de porra, entrando nela, nunca pensei que pudesse ser tão abundante... e, Doutor, continuamos! Gozei outra vez nela. Outro orgasmo, sem tirar, mesmo depois da porra ter inundado o útero dela. O comando dela, Doutor, é uma realidade, supera meu cansaço.

        Gozei de novo, e uma quarta vez, e mais gozaria, se ela não ficasse cansada. Eu me esgotara há muito, mas ela comandava, não respeitava meu cansaço nem tinha pena, bati e meti até ela cansar.

        “Como cê é bravo, ciumento, bobo, violento, potente, gostosão, MARAVILHOSO!”

        Doutor, ela... adorou apanhar! E trepar apanhando!

        Na verdade, como foi, pareceu que ela se espancou, me usando como ferramenta...

        Ela dormiu no meu ombro esquerdo. Eu dormi nos braços dela. Nunca me senti tão bem em minha vida.

        Ficou uma sensação de relaxamento e também... “estranhamento”? Nem sei existir tal palavra... mas era o que eu tinha. “Estranhamento” e relaxamento. Calma e perplexidade. Mole e um tanto curioso, querendo mais, apesar de esgotado, e querendo me entender.

        Logo adormeci. Sonhei com a foda.

        Quando acordei, ela tinha saído.

        Me deixou instruções num papel, e eu voltei a rotina.

        Cuidar da casa, comer horrível comida pronta (chamam “industrializada”), conversar bobagem com o povo, todos os dias iguais, exceto no dia de pegar carona pra ir no centro procurar emprego.

        Ela ficou 3 dias sem aparecer.

        Ela sabia que isso me deixava furioso, essas ausências, e eu sabia que ouviria sempre as mesmas desculpas de sempre.

        Não só as ausências que me deixavam semi louco. A ociosidade e a falta de opções eram piores.

        E não eram culpa dela.

        Mas as ausências... bom, não sei até onde eram culpa dela e até onde eram exigências do ofício de enfermeira.

        Ela se recusava sutilmente a me dar algum tipo de satisfação a sério. Obvio que me enlouquecia.

        Hoje estou convencido: isso era o que ela queria.

        Na verdade, me convenci disso logo no primeiro dia em que vi ela depois da foda: ela apareceu em casa com um chinelo.

        Eu fiz as mesmas perguntas do dia da foda. Acho que esperava que ela fizesse o mesmo, se despisse, avançasse em mim, me engolisse com a vulva, e gozasse ao me fazer gozar.

        Fiquei supresso, quando ela, sempre me sorrindo, não fez o streep-tease da outra vez, nem me deu qualquer atenção.

        Ela meteu a mão numa sacola de compras e me deu um chinelo havaianas.

        “Assim, cê pode atingir meu bumbum enquanto a gente fode. Sua mão não alcança minhas nádegas, mas o chinelo alcança.”

        Cê também não entendeu, né Doutor?

        Tentei fingir não dar atenção aquilo, Doutor. Não foi possível. Quando ia fazer as perguntas da outra foda, exigindo explicação séria, ela tirou a roupa, sorrindo, o sorriso me parecia de gula por mim...

        Ela me abriu a braguilha, pôs meu pau pra fora, roçou a vulva nele, fiquei bravo, ela não ia parar pra conversar sério, bati o chinelo, que ela pôs na minha mão, em cheio nas nádegas dela.

        No minuto seguinte, vendo ela se contorcer de prazer, percebi que era o que ela queria.

        Meu pinto já tava sendo engolido pela buceta dela, e ao mesmo tempo, eu descia o chinelo com força em seu rabo, ouvindo aquele splech típico de chinelada dada com força...

        Transamos apoiados numa mesa, não deitados. Ela por cima de mim, inclinados com os pés no chão, e ela, pulando em mim, me mordia, arranhava, chupava, e cada vez mais rápido, eu também com o chinelo na mão descendo nas suas nádegas cada vez mais rápido e mais forte, splech, splech...

        O chinelo tava na mão direita, então atingi mais a nádega esquerda, já que ela tava em cima e de frente, escorada em mim.

        Vi isso depois da minha primeira gozada, que a encheu de porra, porque ela quis dar de cachorrinho, e se virou pra eu meter na buceta dela por trás.

        Eu então vi a nádega esquerda dela muito mais vermelha que a nádega direita, e passei a bater na nádega direita, pra equilibrar.

        O chinelo deixa um semi circulo rosado, Doutor. Quando se bate com a mão fica mais vermelha, principalmente as marcas dos dedos. Mas o chinelo deixa um semi circulo rosado, colorido na nádegas quase por igual. Só a linha que separa a parte atingida da não atingida, na borda, é que fica um tanto mais vermelha. Mesmo assim só se nota prestando muita atenção.

        As nádegas ficaram coloridas e ardidas por igual. Então larguei o chinelo e meti pra valer, vai e vem em ritmo acelerado, como ela gosta.

        Eu também adoro, mas gosto mais de sentir as nádegas ardidas dela. Encosto, me excito e gozo. Sempre mais de uma vez.

        Depois, ausência de três dias, eu a esperei com tesão.

        Quando ela chegou eu mesmo tomei a iniciativa de pegar o chinelo e, antes dela tirar a roupa, eu a debrucei no meu colo.

        Bati nela como numa criança.

        Nada disse. Só batia, as vezes parava e alisava ela com o chinelo. Depois recomeçava, sem muita força, mas o bastante pra arder só durante a transa.

        É claro que depois tirei a roupa dela. Quero sentir o ardido enquanto transo.

        Desta vez, eu não me agoniei com a ausência. Não sentia mais revolta ou ciúme, mas só vontade de possui-la. E bati de modo refinado, sem ódio.

        Transamos bem mais calmos que nas outras vezes. Foi ótimo.

        O tempo passou. Eu já não tinha ciúmes, pelo menos não tão graves, mas não me sentia bem com as ausências dela.

        Ela poderia muito bem tá com outro. E eu agora pensava assim não por delírio, mas por calculo.

        Metia bem nela, mas outros também podem meter bem. Ela trabalhava, eu só atrapalharia de saísse com ela.

        Quero mais dela. Quero convivência diária e regular.

        Não sei até onde é verdade que ela só trabalha, mas a única solução é arranjar logo um emprego pra mim.

        Minha vida ia como sempre, mas um dia, olhei bem os classificados do jornal e notei: a data é de 2 anos atrás.

        “Meu Deus, por isso não arranjo emprego!”

        E então, fui procurar um jornal novo. Não tinha dinheiro pra comprar, ela nunca deixa nada comigo...

        Procurei meus amigos e perguntei se tinham um jornal novo. Eles estavam estranhos, uns falando sozinhos, outros fazendo gestos esquisitos, outros parados, eu quis falar com eles e não me responderam. Só uns pouco me deram atenção quando perguntei.

        “Mas olha um na sua mão...”

        “Sim, mas é velho. É de 2 anos atrás.”

        Meu amigo olhou o jornal e concordou. Ele disse pra eu falar com o chefe dos guardas, no caso o senhor, Doutor.

        Pedi então pra falar com o Doutor, e aqui estou. O Doutor me pediu pra contar a história toda e eu contei. Poderia ter omitido certo detalhes, mas Doutor insistiu que eu falasse tudo, detalhe por detalhe...

        Doutor, o senhor... como? Não me dará um jornal novo?

        Agora não? Por que não?

        Como não é a hora? Minha mulher... ela vai ser investigada por que?

        O Doutor me desculpe, mas não entendo...

        Bom, o senhor diz que talvez ela esteja envolvida em algo ilegal... pensando bem, isso explica em parte as ausências dela, né?

        Mas eu quero falar com ela então... vou falar?

        Ela talvez fuja quando for procurada? Bem, se o que ela faz é ilegal... mas se o Doutor me dar a garantia de que vou acabar falando com ela, tá bom pra mim.

        E as ausências dela serão definitivamente explicadas? Sim, Doutor, quero sim.

        Então... tá bom, vou pra minha casa... e talvez amanhã eu tenha contato com minha mulher... bom Doutor, ela saiu ontem...

        Puxa Doutor, obrigado. Tomará que esteja certo. Quero muito trabalhar, sair daqui e ser o homem da casa.

        Gosto muito de minha mulher, acho que ela tem direitos, mas sabe como é, me sinto inseguro, afinal ela só me vê como objeto sexual...

        Tem razão, Doutor. Preciso saber mais da vida e poder acompanhar minha mulher. Bom, tchau então.
 

        (Nesse ponto, o “Doutor” anexou um relatório ao esse depoimento)
 
 

Relatório do Diretor-Geral do Hospício






        O paciente é, em princípio, um esquizofrênico. No entanto, teve muito provavelmente uma fase paranoíde, no começo de sua internação, e principalmente a partir de sua ligação com a enfermeira W.F.L., funcionária do hospício, que manteve relações sexuais com o paciente, violando acintosamente as regras do nosso estabelecimento.

        Os efeitos das relações do paciente com a enfermeira é incalculável, e o resultado final é imprevisível. No entanto, é certo que há risco, uma vez que o paciente, em seu delírio “esquizofrênico – paranóico”, agrediu fisicamente W.F.L. – o que não desestimulou o intercâmbio sexual, pelo contrário, antes serviu como “aperitivo”, intensificando o prazer de ambos.

        Aparentemente, o que motivou W.F.L. a iniciar essa relação foi a fortuna da família do paciente. No entanto, é possível que o prazer obtido nas relações tenha terminado deixando o fator financeiro em segundo plano.

        Os efeitos que se podem observar até o momento, no paciente, são benéficos. Para entender o benefício, é necessário analisar parte do histórico do paciente, enquanto interno do hospício, e também o período imediatamente anterior.

        O paciente nunca aceitou sua internação. A partir do choque de sua internação ele criou um mundo delirante em que não seria um doente internado, mas antes um desempregado, que perdeu a fortuna familiar. A enfermeira, sua “companheira” (termo que me parece o mais apropriado, pois não se trata sem dúvida de uma namorada ou uma esposa, e não é apenas uma amante, então penso ser melhor utilizar o termo “companheira”, que pode ser sinônimo de amante, de esposa e de namorada.), W.F.L., se insinuou nesse momento na vida do paciente, que então, em seu delírio, passou a considerá-la “esposa”.

        Para explicar a inatividade forçada da internação, criou a fantasia de ser um desempregado. Os passeios que o paciente faz sob supervisão dos enfermeiros passaram a serem vistos como “caronas” para procurar emprego. Os companheiros de internação passaram a ser moradores de um mítico subúrbio, desempregados como o paciente estaria, em seu delírios.

        A enfermeira na vida real tornou-se uma enfermeira também em seus delírios, esposa do paciente, que sustentaria a suposta casa deles, com suas longas horas extras. Isso explicaria as ausências da enfermeira, que deixava o paciente enciumado.

        A explicação mais plausível para o ciúme, além do natural medo de traição, é que W.F.L. representa um aspecto da realidade que o paciente não consegue dominar. De fato, o esquizofrênico é por definição uma pessoa que cria um mundo delirante por não poder controlar o mundo real e não se conformar com essa impotência. Uma vez que o paciente se apaixonou por W.F.L., nada surpreendente, considerando que a paixão, também por definição, é uma doença mental e o paciente é um doente mental, mas uma vez que o paciente se apaixonou por W.F.L. ele incorporou em sua psique um elemento da realidade que não consegue controlar – e foi incapaz de encontrar em seu mundo delirante mecanismo que lhe permitissem pelo menos fingir controle sobre a companheira.

        Assim, o paciente teve que reconhecer três coisas importantíssimas, que muito auxiliarão em sua cura, a saber:

  1. Reconhecer que deseja uma criatura do mundo real, que não faz parte de seus delírios e mesmo que ele consiga incorporar parte da criatura em seu mundo, sempre haverá uma parte que ele não pode dominar;
  2. Reconhecer que para desfrutar da criatura em questão, W.F.L., precisa se conformar com o imprevisível e o desconhecido. O importante é o paciente está disposto a pagar esse preço para desfrutar de sua “companheira”;
  3. Reconhecer posteriormente que precisa sair de seu mundo delirante e enfrentar o mundo real a fim de ser digno de sua “companheira”, pois essa situação o deixa sem dúvida muito vulnerável diante de W.F.L. O paciente tem necessidade de um tipo de controle sobre o objeto de seu afeto, de se sentir seguro em relação a situação conjugal – e convenhamos, numa relação conjugal, mesmo delirante e anormal como esta, é impossível que dure sem que os parceiros vivam no mesmo mundo, e não só nos momentos em que estão juntos, mas também durante boa parte do cotidiano.
        Assim, o paciente reconhece que deseja uma criatura que não pode controlar, que precisa aceitar esse descontrole, e precisa fazer parte do mundo dessa criatura, que é não mais nem menos que o mundo real.

        Esses três elementos, passando a fazer parte de sua psique, muito o auxiliarão na cura. Acredito que devemos permitir as relações do paciente com W.F.L., uma vez que essas relações foram a base para os três elementos citados se desenvolverem na psique do paciente.

        Se for decidido que as relações entre o paciente e sua “companheira” devem continuar, então penso que também devem ser vigiadas, pois é preciso prever as recaídas do paciente e as ameaças que ele representa para a “companheira”.

        Embora não caiba duvida que a enfermeira também é uma doente mental, ainda que em grau muito menor que o paciente, ela deve por isso mesmo passar por analise e ser alertada contra os possíveis riscos que sua relação com o paciente pode acarretar.

        Devemos nos lembrar também que o paciente muito provavelmente passara por muitos anos de um longo processo de recuperação, e as recaídas podem ser fatais, talvez irreversíveis. Se a enfermeira insistir em continuar sua ligação com o paciente, o que parece ser a tendência dela, o colapso final da sanidade do paciente provavelmente provocará também danos graves na psique dela.

        Todas essas considerações, naturalmente, serão analisadas pela direção do hospício e pela família do paciente, e também pela companheira do paciente, W.F.L. A decisão final depende de outras avaliações, e outras opiniões serão ouvidas.
 

Brasília, 27 de outubro de 2000

.               G.T.R.                    .
Diretor Geral do Hospício

Flamarion Daia Júnior

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