Amor animal

            Catarina nunca pode ter filhos, embora tivesse tentado muito nestes 30 anos quase que solitários, de convivência com o marido Pedro. Isso talvez justificasse o imenso amor que nutria pelos animais, em especial pelos gatos, aqueles vadios que gostumavam aparecer de vez em quando no sítio em que residia, quilômetros longe da civilização.
            Pedro odiava os gatos, aliás, para Pedro, animais, somente os que rendiam carne para o consumo ou que fossem um bom negócio para o sítio.
            Assim, Catarina, nutria suas paixões pelo porquinho que ela ajudara a nascer, e batizava de chiquinho. Tão logo ele alcançava algum peso, ela o via transformado em linguiça, chouriço, ou um em bom pernil. O mesmo ocorria com os bezerros, frangos e todos os demais bichos do sítio.
            Foi quando começaram a aparecer os gatos. Ela aproveitava as sobras dos animais abatidos pelo marido e os alimentava, escondido, no porão. Até que ele descobriu, e andou matando alguns. Catarina, então, montou um canto seu, bem longe da casa, e para lá levava os restos e ia cevando os gatos, que cada vez eram em número maior, — tantos os gatos perdidos. Mas eles eram abusados e sempre achavam de aparecer por perto da casa. Pedro não os perdoava, eram cruelmente abatidos. Logo começaram a aparecer também alguns cães vadios, que Catarina tratava com o mesmo cuidado com que vinha tratando os gatos.
            Os dias se passavam e Catarina estava feliz, pois tinha os seus bichos, com quem conversava e recebia carinho. Catarina só sabia cuidar da casa, cozinhar e fazer doces em calda que apoderciam nos vidros, pois nunca tinham visitas, e brincar com seus inúmeros bichos.
            Pedro adoeceu e ficou acamado durante vários dias, os bichos estavam livres e podiam até entrar na cozinha, onde Catarina, nunca tão feliz, matava as galinhas e as dividia com eles, ali mesmo no chão de ladrilho.
            Pedro morreu, sozinho no quarto, e Catarina deixou que os animais se banqueteassem. Foi uma festa! Pedro foi deliciosamente digerido. Não sobrou o que enterrar e Catarina, amou ainda mais os seus bichos.
            Catarina não sabia como ganhar a vida, mas tinha muito bicho criado para o abate, portanto, não havia com o que se precocupar, — pensou — e foi aí que começou com a matança desordenada de porcos, frangos, e até bois, para saciar a fome, cada vez mais exigente, de seus cães e gatos, que agora dominavam a casa e dormiam por toda parte.
            Não havia mais nada no sítio, as plantações secaram, e estava matando o último frango que restara, aliás nem era frango, era o galo cantador, foi quando finalmente percebeu que não poderia continuar a sustentá-los, não havia mais o que matar para dar a eles o que comer.
             Pegou a velha espingarda e atirou no próprio ouvido, oferecendo-lhes um último banquete. Que eles saborearam até os ossos.

Roselene Navarro

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