Data marcada para orgasmo

Insatisfação feminina leva cidade piauiense a criar dia para pensar no prazer

BRASÍLIA - Na pequenina Esperantina, no norte do Piauí, o prazer sexual dos cidadãos é assunto oficial. A cidade acaba de ganhar um dia dedicado a ''pensar o orgasmo''. A data foi aprovada, por unanimidade, pela Câmara de Vereadores. A partir de 2002, o 9 de maio vai causar rebuliço entre os 35 mil habitantes da cidade. Rebuliço intelectual, claro. Isso porque a idéia é fazer com que os moradores de Esperantina dediquem o dia para tentar descobrir meios de melhorar o desempenho sexual dos casais. Atuação que, hoje, segundo avaliam os 13 vereadores, é uma catástrofe. A frustração feminina, acreditam, tem motivado crises conjugais, separações e traições. Os políticos precisaram dar sua contribuição para resolver o que chamam de problema social.

Aprovado em setembro, o projeto de lei que cria o Dia Municipal de Debate Sobre o Orgasmo emperrou na legislatura passada. O então vereador petista Arimatéia Dantas andou pelas ruas da cidade a buscar adeptos. Foi motivo de chacotas e críticas, mas não desistiu. Bateu de casa em casa para ouvir as queixas das mulheres. ''É um problema feminino, claro. Os homens sempre chegam lá.'' O ex-vereador, hoje assessor parlamentar da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, em Brasília, fala com conhecimento de causa. A idéia de pensar sobre a plena satisfação sexual surgiu após uma relação frustrada - para sua parceira. ''Ela era muito fogosa, mas demorava a chegar ao clímax. Segurei o que pude, mas não consegui esperá-la'', relata, desinibidamente. Socialista convicto, Arimatéia resolveu dar a sua contribuição para socializar o prazer. ''O socialismo começa nas relações mais próximas'', acredita. Resolveu levantar o assunto na cidade. ''O problema começa com os homens. Muitos têm ejaculação precoce e não estão nem aí. Outros são impotentes e não sabem o que fazer. O jeito é conscientizar todo mundo'', acredita.

O projeto só foi levado a sério quando oito alunas do curso de Educação Física da Universidade Estadual do Piauí resolveram estudar o problema da cidade. Em janeiro, fizeram uma monografia sobre o orgasmo das mulheres esperantinenses. Após uma entrevista com 80 cidadãs entre 14 e 51 anos, a conclusão: apenas 28,75% responderam que chegam ao prazer em todas as relações sexuais.

A culpa do fracasso feminino, segundo as pesquisadoras, é dos parceiros. ''O grande problema delas em relação ao orgasmo é dos homens, que não debatem o problema, não realizam suas fantasias sexuais e ejaculam muito cedo.'' O estudo foi citado pelos quatro vereadores - três homens e uma mulher - para reapresentar o projeto de Arimatéia. ''Um debate sério contribuirá para a felicidade de grande parte da população'', defendiam. A Câmara abraçou a idéia. Mas o tabu do tema faz com que ninguém assuma pessoalmente o problema. Uma das autoras do projeto, a vereadora Maria Luzinete Castro (PL), não quis dizer se integra as estatísticas negativas da cidade. Seu marido, o ex-vereador Leônidas Quaresma, garante que os 20 anos de casamento seguem muito bem neste aspecto.

O vereador Leônidas Laranjo (PL) votou a favor, mas também jura que não conhece o problema de perto. ''A gente atua direitinho'', gaba-se. Ele diz que foi favorável à criação do dia do orgasmo porque os escritórios de advocacia da cidade não dão mais vazão à clientela que quer o divórcio.

O prefeito, José Inaldo Franco (PSDB), não quer ouvir falar sobre isso. ''Tenho vergonha dessas coisas'', confessa. ''Isso é obra de um vereador do PT.'' Sem coragem para olhar para o documento ''pornográfico'', não vetou nem sancionou. O projeto acabou promulgado. Acha que a prefeitura tem coisas mais importantes com que se preocupar.

Mesmo sem o respaldo do prefeito, os vereadores prometem uma festa no próximo 9 de maio. Arimatéia quer convencer a sexóloga e prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, a visitar Esperantina para ensinar aos moradores que o prazer sexual feminino é uma questão social fundamental.

Ana Maria Campos

Fonte: Jornal do Brasil, 25-nov-2001
Enviado por: Marlene Andrade Martins