“CAIU, PRIMEIRO DE ABRIL!!!”
01.abril.2000

Quer brincadeira mais estúpida, deselegante e tripudiante do que ter prazer em mostrar que conseguiu enganar o outro? Por sua vez, quem “cai” na armadilha, ou melhor, na “brincadeira”, por ser crédulo e confiar na palavra do amigo, ou estar desprevenido e não na defensiva, leva uma baita gozada pela cara e fica com a humilhante sensação de ser pouco inteligente ou mesmo um tremendo otário. Simplesmente cai. E ninguém pergunta se se machucou.

Já não chega o primeiro de abril de todo o dia? Já não nos bastam os caloteiros, os maliciosos, os larápios, os gananciosos, os salafrários e safados, os interesseiros, os falsos e farsantes, os traidores, os invejosos, os corruptos, os ladrões, os covardes, os sonsos, os hipócritas e os astutos, com os quais temos de conviver sem nos contaminarmos?

Naturalmente devemos ter herdado este costume de algum país europeu sério, de política e idioma rígidos. Países para os quais um dia de mentira já é muito, e, assim mesmo, só de brincadeira. Entre nós, porém, em que a brincadeira de mentir é levada a sério, festejar a data como sendo especial, é — convenhamos — o máximo da troça. Está certo que nenhum Dia da Verdade vingaria por aqui: a nação ficaria vazia, com a população viajando em massa neste dia, debandando rápido, como se corresse de um iminente tufão, furacão ou qualquer outra calamidade pública. Daí, porém, a escarnecer do outro, me parece demais.

Infelizmente, a verdade é que mentimos tanto para nós mesmos, que acabamos aceitando que nos passem a perna. É o famoso “me engana que eu gosto”. O consumismo nos incute uma felicidade constituída por códigos de barra, e vivemos atrás dessas grades, prisioneiros da generosa ilusão apresentada pela sedução comercial: a tal marca de sabonete nos faz mais belas, o tal carro nos faz mais atraentes, o tal tempero mantém a família unida e sorridente à mesa, numa harmonia total. Por outro lado, defendemos a democracia com unhas e dentes; mas, se o voto não fosse obrigatório, provavelmente ficaríamos vendo a apuração da votação pela televisão.

Não que mentir seja fácil (fácil não é, porque precisamos fingir que não vemos a realidade, e, ainda por cima — ou melhor, por baixo — temos que tapar o sol com a peneira); mas, sendo mais cômoda a mentira, é bem mais vantajosa à lei do lucro pessoal: seguindo o conselho de nossas mães, às vezes, melhor “fingir-se de morto”. E já que tocamos no assunto defunto, “que quando acha quem o carregue, pesa”, talvez fosse bom morrer num dia assim (parodiando Bilac), porque, de repente, morreríamos de mentira, nossa família pagaria de mentira nosso enterro e receberíamos discursos elogiosos, todos mentirosos.

Não é que eu não tenha senso de humor. Verdade que muitas vezes eu ajo como se fosse a “Mulher do Garfield”, no caso dele algum dia ter porventura se casado... Mas isto não quer dizer que ele ou eu não sejamos humorados. Prova disso é que as pessoas até sorriem das minhas crônicas ou das peripécias do felino. Só que ambos temos um senso de humor muito peculiar, mais crítico do que zombeteiro, mais ácido do que debochado. Creio que ainda farei um livro ou um filme, intitulado: Os gatos não mentem jamais... Se ocorre não gostarem de alguma coisa, arranham, mesmo sabendo que estão atacando quem lhes dá o sustento diário. Não são impostores ou dissimulados, são instintivamente autênticos, mostram sua reação de imediato, não posam de benfeitores da humanidade. Ops! esta não é uma crônica sobre gatos, que só entraram aqui, em antítese aos seres humanos, em geral subservientes quando querem conseguir algo em benefício próprio. Voltemos, portanto, ao mundo-cão.

Talvez o problema esteja em que queiramos sempre melhorar de vida e não a vida. Por isso, com o nosso consentimento, beneplácito e até conluio, ela acaba se constituindo de pequenos golpes e trapaças, que não ajudam a ninguém e ludibriam a todos. E nada escapa a esta grande farsa: nem o amor possessivo, nem os spam, nem os vírus que vêem atrás de doces subjects (Pretty Park, Happy 99, Sweet qualquer coisa, etc.), nem a justiça morosa, nem as arbitrariedades, a impunidade, a corrupção, o péssimo atendimento dos serviços considerados essenciais, o beletrismo, a manipulação da informação, enfim, tudo está aí mesmo, todos os dias, apontando o dedo indicador em nossa direção, rindo de nós e mostrando, no subtexto, que nada há de novo:

— “Peguei o bobo na casca do ovo”...

Leila Míccolis