Destruição do Meio Ambiente e o Colapso de Civilizações

Não faltam exemplos sobre as conseqüências devastadoras para o homem quando ele explora os recursos naturais sem observar que estes são limitados. Num passado não muito distante, civilizações inteiras pagaram um preço muito alto por não terem considerado a hipótese do esgotamento dos recursos naturais.

Um dos exemplos mais conhecidos vem da isolada Ilha de Páscoa, no oceano Pacífico, a 3.700 km da costa chilena e com área de 117 km2. Neste lugar, viveu uma civilização de cultura extraordinária que construiu estátuas gigantes, com 10 metros de altura, os moais, e desapareceu por volta do ano de 1600 pelos motivos que hoje, com ajuda da ciência, conhecemos muito bem. No início, quando supostamente de forma acidental, os primeiros habitantes chegaram na ilha, serviram-se à vontade dos limitados recursos naturais ali disponíveis. Então, a população aumentou e, à medida que os recursos naturais iam se esgotando, a gostosa vida deles no paraíso, repleta de prazer, começava a mudar. As extravagantes e animadas festas foram aos poucos se transformando em sangrentos conflitos pela disputa dos escassos alimentos. Devastaram toda a exuberante floresta que cobria a ilha, queimando até o último pau de lenha; comeram todos os bichos, nem as aves marinhas devem ter escapado; esgotaram completamente os recursos pesqueiros; e, de acordo com estudos científicos, os últimos habitantes praticaram o canibalismo, ou seja, matavam outras pessoas para poderem se alimentar. A ilha permanece até hoje como eles deixaram, completamente devastada e com aquelas estátuas gigantes postadas de frente para o oceano como quem quer nos dar um recado: “Psiu! Os recursos naturais são finitos!”

Outro exemplo é o de Pueblo (povoado ou vila) Chaco Canyon, no deserto de Novo México, EUA. O lugar era habitado pelos índios Anasazi que viveram ali entre os anos de 850 e 1250. Sua arquitetura era surpreendentemente muito avançada para a época. Uma de suas construções para moradia (uma espécie de prédio de apartamentos) foi a maior já feita pelo homem (para habitação) até o final do século 19, ou seja, a obra deles permaneceu na vanguarda por 600 anos! Pueblo Bonito, o maior “edifício”, tinha 800 cômodos e 43 salões de cerimoniais, sendo 3 deles bem grandes. Estima-se que nesta construção podiam morar 2 mil pessoas e que a população deles chegou aos 6 mil habitantes, que ocupavam também os “edifícios” menores. Em suas obras monumentais, os Anasazi consumiram 215 mil troncos de árvores e 50 milhões de pequenos blocos de pedra, caprichosamente cortados e aparados para encaixe. Por muito tempo os cientistas ficaram intrigados pelo fato desses índios terem ido morar no meio do deserto. E por que eles desapareceram? E toda essa madeira, como conseguiram? A floresta mais próxima fica a centenas de quilômetros. Hoje, sabemos o que aconteceu. No lugar havia uma imensa floresta, cheia de animais e com muita água brotando por todos os lugares. Em 400 anos eles conseguiram destruir tudo. Para atender à demanda crescente da população que não parava de aumentar, tiveram que intensificar os desmatamentos para agricultura e consumo da madeira (para lenha e seus colossais “prédios de apartamentos”). Com isso, eles conseguiram rebaixar o lençol freático por vários metros, razão pelo qual a água acabou e todo o vale verdejante se transformou num imenso deserto, herdado pela atual geração de norte-americanos e que será assim repassado para as gerações futuras. Há indícios de que conflitos violentos e canibalismo antecederam os dias finais da civilização Anasazi.
 

Bom, chega desses exemplos que estão distantes. Vamos nos preocupar com a nossa mata Atlântica, afinal de contas não queremos ficar sem água. Registros da nossa história revelam que o sistema de abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro entrou em colapso já no início do século 19, de acordo com o livro “Floresta da Tijuca”, publicado em 1966, pelo Centro de Conservação da Natureza, do qual também foram extraídas as informações descritas a seguir. Em 1817 e 1818 o governo baixou severas leis punitivas contra os desmatamentos dos morros para proteger os mananciais, pois naquela época já sabiam que essa era a solução para o problema, já que havia sido tentado de tudo: mudado os pontos de captação nos rios, ampliado os aquedutos etc. No entanto, as leis não eram cumpridas e as plantações de café avançavam os morros na região de mananciais, sendo a floresta da Tijuca a principal delas, que não chegou a ser totalmente destruída. Num relatório do ministro da Pasta de Negócios do Império, em 1850, é mencionado o seguinte: “Pequenos trechos dessas terras permanecem cobertos de mata primitiva, ao passo que a maioria das florestas protetoras dos demais mananciais da Tijuca já havia desaparecido, pondo em risco constante o abastecimento”. Com a seca que assolou o Rio de Janeiro em 1844, o problema da falta de água agravou-se e, então, o governo decidiu tomar medidas mais concretas para proteger os mananciais. Neste ano, no relatório do ministro Almeida Torres, pedia-se, entre outras coisas, providências urgentes visando à conservação da mata Atlântica das Paineiras e da Tijuca, em toda a sua extensão das cabeceiras e vertentes dos rios Carioca e Maracanã. O ministro sugeria que se “proibisse eficazmente” a continuação dos desmatamentos. Houve, nesta época, reiteradas ordens expressas do Imperador para que a polícia imperial agisse com rigor contra os desmatamentos. Entretanto, as ações mais significativas para proteger a mata Atlântica da Tijuca foram do ministro da Pasta do Império, Luis Pereira do Couto Ferraz, o Visconde de Bom Retiro, a partir do ano de 1854. Foi o Visconde de Bom Retiro que iniciou as desapropriações da área onde hoje temos a exuberante Floresta da Tijuca. Naquela época as desapropriações foram consideradas como a única maneira eficaz de se proteger os mananciais, já que as leis não pegavam. Está registrado (em 1855) nos documentos deixados pelo ministro Bom Retiro: “A existência de tais propriedades particulares em tais paragens não só é uma ameaça constante à conservação das matas como prejudica grandemente a pureza das águas”. Bom Retiro defendeu a floresta da Tijuca de forma apaixonada e por ocasião de seu falecimento, o Imperador D. Pedro II disse as seguintes palavras: “Foi o homem de consciência mais pura que conheci em toda a minha vida”.

Obviamente, não está se defendendo aqui a desapropriações das áreas de mananciais. A intenção é apenas exemplificar que este tipo de preocupação não é nenhuma novidade surgida em nossos tempos. Contudo, não devemos repetir os erros dos habitantes da Ilha de Páscoa ou da civilização Anasazi. Temos que refletir sobre tudo isso e efetivamente proteger os remanescentes de floresta da nossa região, sobretudo na serra do Mar, onde brota a maior parte da nossa água. De sobra, estamos protegendo uma das maiores diversidades de formas de vida encontrada em todo o planeta Terra, da qual devemos ter orgulho e responsabilidade também. Nossa região ainda abriga animais raros, já extintos em quase toda a extensão da mata Atlântica que é considerada pela UNESCO, com base em dados científicos, como um dos ecossistemas mais importantes do mundo para ser protegido. Podemos dar um exemplo para o mundo de que temos a consciência da importância de protegermos nosso patrimônio natural para as gerações futuras.
 

Germano Woehl Jr.

Pesquisador e Coordenador de Projetos do Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade <http://www.ra-bugio.org.br/>
Repasse: Clarisse Vilac do GAAR: http://www.gaar-campinas.org.br/