Ana Neri e Francisca de Sande - As Abnegadas do Brasil

Com o avançar dos tempos, muitos nomes femininos foram desprezados ou relegados ao esquecimento. Verdadeiras heroínas brasileiras permaneceram no anonimato, apesar de se terem envolvido, direta ou indiretamente, com movimentos patrióticos e causas idealistas. Outras ficaram conhecidas e mereceram o respeito dos seus contemporâneos ou das gerações futuras. É o caso das figuras humanitárias de Francisca de Sande e Ana Néri.

Sobre Francisca de Sande pouco se sabe. Nascida na Bahia, em data indeterminada, filha dos portugueses abastados Francisco Fernandes e Clara de Sande, teve infância e juventude privilegiadas.

Recusando-se a seguir a carreira religiosa, como era costume na época, casou-se com o mestre-de-campo Nicolau Aranha Pacheco. Francisca enviuvou em pouco tempo e, em 1670, já se dedicava a causas nobres.

Quando a epidemia de febre amarela devastou a população nordestina (1680 e 1694), matando milhares de pessoas, esforçou-se ela no atendimento aos doentes. Os médicos eram escassos no país e os que atendiam tinham poucos recursos para o tratamento dos pacientes, pois não havia medicamentos que aliviassem os sintomas provocados pela moléstia.

Sem receio de contaminar-se, saía pelas ruas, seguida por escravos, recolhendo doentes. Levava-os para sua casa, cujos vastos cômodos transformara em enfermaria. Quando os hospitais lotavam, os doentes eram transportados para lá, a fim de receberem alimentação e medicamentos que ela própria manipulava. Com a mesma coragem providenciava o sepultamento das vítimas, sem preocupar-se com recompensas ou agradecimentos.

Informado de tamanha abnegação, o rei de Portugal escreveu-lhe para agradecer o altruísmo com que auxiliava os doentes, num reconhecimento público de seus méritos.

Ao morrer, em 21 de abril de 1702, Francisca de Sande afirmou sentir-se feliz por cumprir seu dever de cidadã, servindo à pátria e aos mais necessitados.

Considerada pelos historiadores a primeira enfermeira voluntária do Brasil, Ana Justina Ferreira Néri nasceu em 13 de dezembro de 1814 (alguns biógrafos consideram-na nascida em data imprecisa em 1815) na Vila da Cachoeira do Sul do Paraguaçu ou Vila de Nossa Senhora do Rosário da Cachoeira, Bahia, na antiga Rua da Matriz, atualmente Ana Néri.

Filha de Luísa Maria das Virgens e José Ferreira de Jesus, casou-se com um oficial da Marinha, o capitão-de-fragata Isidoro Antônio Néri, com quem teve três filhos: Isidoro Antônio, Antônio Pedro e Justiniano. Em 1844, com o falecimento do marido a bordo do Brigue Três de Maio, no Maranhão, Ana passou a dedicar-se a ações sociais.

Sentiu-se realizada quando Isidoro Antônio e Justiniano decidiram formar-se em Medicina, e Pedro Antônio optou por seguir a carreira militar.

Ao eclodir a Guerra do Paraguai, em 1864, a família residia em Salvador. Além dos irmãos de Ana Néri, os tenentes-coronéis Manuel Jerônimo Ferreira e Joaquim Maurício Ferreira, seus três filhos resolveram partir para a luta. O amor à pátria suplantou o materno, ao apoiar a decisão dos jovens em defesa do país.

Com cinqüenta anos, movida pelos mesmos sentimentos patrióticos, ofereceu-se ela para acompanhar as tropas e dedicar-se aos feridos, jurando somente regressar quando os correligionários vencessem o inimigo.

Em 8 de agosto de 1865, certa da resolução tomada, enviou um ofício ao presidente da Província, solicitando integrar-se às tropas como enfermeira. Os filhos já se encontravam lutando no Paraguai e Ana Néri pretendia, ao lado deles, defender a pátria. Ao formar-se um exército de voluntários, e sem mesmo esperar resposta à solicitação, partiu para a guerra em 13 de agosto de 1865. Já se encontrava na frente das batalhas quando recebeu a nomeação de enfermeira para servir no Paraguai.

A atuação de Ana Néri junto aos feridos foi incansável. Desdobrou-se como enfermeira, ministrando medicamentos e proporcionando alívio e conforto aos doentes. Assistiu-os em Corrientes, Humaitá e Assunção. Sua abnegação aumentou ao receber a notícia da morte do filho Justiniano, em combate. Ao invés de ficar revoltada, abençoou-o pelo idealismo e pelo dever cumprido.

Ana Néri lutou por aproximadamente cinco anos, retornando à Bahia em 5 de julho de 1870, no vapor Arino. Vinha acompanhada de três órfãos, de soldados mortos, que educou como seus filhos. Chamada mãe dos brasileiros pelos soldados da campanha, justificou plenamente, pelas atitudes solidárias, esse atributo.

Ao aportar no Rio de Janeiro, recebeu grandes homenagens. Por onde passava era aclamada pelo povo. As senhoras baianas, que moravam na capital, homenagearam-na com uma coroa de ouro onde estava gravado: À heroína da caridade, as baianas agradecidas. Essa peça pertence hoje ao acervo do Museu do Estado da Bahia. Honraram-na também com um álbum onde constava a seguinte dedicatória: Tributo de admiração à caridosa baiana por damas patriotas. Seu retrato, pintado a óleo por Vítor Meireles, em tamanho natural, ficou exposto na sede da Cruz Vermelha Brasileira, como prova de gratidão.

O Imperador D. Pedro II concedeu-lhe pensão de um conto e duzentos anuais, condecorando-a com a Medalha Humanitária e a Medalha da Campanha do Paraguai. A República, mais tarde, também lhe rendeu homenagens: o nome Ana Néri foi dado à primeira Escola de Enfermagem oficializada pelo governo federal, em 1923, pertencente à Universidade do Brasil.

Ana Néri faleceu no Rio de Janeiro, em 20 de maio de 1880, aos sessenta e seis anos, e está enterrada no cemitério São Francisco Xavier.

Francisca de Sande e Ana Néri, cada qual a seu modo, dignificam as mulheres brasileiras e merecem o nosso aplauso e gratidão.

Yvonne Capuano

Transcrito do site: "Oficina de Idéias": http://www.cmeacsp.com.br/oideias_art_brasil.html