Feijoada cósmica

Um pouco antes da metade do século vinte, começaram a aparecer os estranhos objetos voadores, comportando-se de uma maneira absolutamente imprópria para os padrões físicos e aerodinâmicos.

Mesmo depois de inventado o avião a jato, sua rapidez (dos UFOs) surpreendia. Era algo como a velocidade da luz. Estava aqui, já estava lá, num piscar de olhos. A movimentação, também, era inacreditável: faziam curvas em altas velocidades descrevendo ângulos de noventa graus.

Contatos imediatos de terceiro grau, quer dizer, tête a tête com eles? Só em filmes. Na verdade, tudo o que se dizia a respeito ou eram deslavadas mentiras, ou o fruto das imaginações mais desvairadas, ou pura loucura mesmo. Ninguém, dentre as pretensas noivas de tripulantes desses engenhos, com filhos seus nas barrigas, e os que asseguravam ter sido raptados e levados a distantes sistemas solares, relatando estórias sem pé nem cabeça, e outros que simplesmente diziam ter estado a poucos metros desses seres, atingidos ou não por raios mentais, ou provindos de armas estranhas, jamais suportou um exame psicológico apurado, um detetor de mentiras ou um interrogatório dos mais superficiais.

As fotografias e os filmes obtidos, mesmo com os recursos mais modernos de áudio e vídeo, não resistiram às análises computadorizadas, quando chegassem a passar pelo exame técnico mais simples, do olho humano, ou por critérios críticos mais ou menos apurados.

As forças armadas e os serviços de inteligência dos países mais adiantados em recursos científicos eram acusados de guardarem segredo das descobertas que já possuíam — até de restos de naves e de corpos de extraterrestres mortos em acidentes de percurso — embora ninguém pudesse entender a razão de tão pertinaz omissão de informações ao público; mas, na verdade, esses órgãos não tinham em seus arquivos absolutamente nada, nada que a imprensa em geral já não houvesse divulgado aos quatro cantos do mundo.

De verdade, o que existia era uma certeza generalizada de que os discos voadores existiam. Talvez porque uma pequena porcentagem, lá pelos dez por cento, das visões de corpos celestes, classificados como OVNIs , não lograsse obter explicação científica, lógica. Noventa por cento, sem sombra de dúvida, eram absolutamente explicáveis como coisas terrenas, como fenômenos meteorológicos ou cósmicos, ou como mistificações. Balões, aviões, sondas, fenômenos óticos, manifestações elétricas e magnéticas, alucinações, corpos celestes, estrelas cadentes, picaretagens, golpes publicitários, brincadeiras de adolescentes, uma lista sem fim.

Mas como aquela pequena quantidade de ocorrências não tivesse comprovação de estar entre um desses fenômenos, o povo, e até mesmo as autoridades, acreditavam que havia algum coisa no ar além dos aviões de carreira, ou que existia alguma coisa entre o céu e a terra não sonhada sequer pela nossa vã filosofia.

Radiotelescópios ficavam apontados para os confins do Universo, sem jamais obter um sinalzinho que fosse de vida em outros planetas.

Esperava-se o dia em que esse sinal viesse. Ah !, quando viesse! Quanta informação, quanto progresso, quanto avanço o ser humano obteria dos seus irmãos mais adiantados, capazes de viajar milhões de anos-luz em minutos ou segundos. Os segredos da vida... a vida eterna... a eterna juventude...

Não veio nenhum sinal.

Estávamos no fim do século, sem qualquer aviso a coisa aconteceu, finalmente.

Talvez fosse melhor que não tivesse acontecido.

Um dia, eles chegaram, os ETs . Desceram voando normalmente, sem qualquer ruído. Pararam seu disco voador na praia de Copacabana e ante o espanto geral da população, que se acotovelava , mantendo certa distância como se um forte cordão de isolamento contivesse a multidão, eles desceram, pisaram na areia — meia-dúzia deles — comentaram qualquer coisa, como que estranhando a textura do solo, e ignorando toda aquela gente seguiram em fila indiana, entraram num daqueles restaurantes da esquina da avenida Atlântica e pediram uma feijoada!

Seria cômico se não fosse trágico. Viajaram anos e anos-luz para vir conhecer o Planeta única e exclusivamente pela fama da feijoada carioca, feita de feijão preto, orelha, rabo, língua e outras partes do porco, acompanhada de couve, arroz branco e laranja em rodelas.

Saíram arrotando, falando alto, talvez efeito da caipirinha.

Simplesmente entraram no disco voador e foram embora, como se tudo o mais de nossa Civilização nada tivesse a dizer a eles.

Goiano Braga Horta