A Morte Caetana

Na Região do Cariri paraibano, onde minha mãe foi criada, a Morte é chamada carinhosamente por um nome de mulher: Caetana. Minha mãe dizia que a Caetana tem duas formas: a Moça e a Onça. Quando vem no formato de Moça, nos abraça tão suave, deixa os cabelos caírem por cima da gente e nos carrega tão macio que a gente nem sente. Mas às vezes ela está virada na Onça, e nos morde com seus dentes de pedra e desfia nossa vida com suas garras, esfolando a gente vivinha ainda.

O roçado dela é o mundo, e onde tem gente viva a Moça/Onça Caetana afia suas garras e treina seus abraços macios e mortais. O danado é que apesar do mundo ser tão grande tem dias que a Caetana resolve fazer sua colheita perto da gente. Ela andou por aqui na semana passada, levando gente, gente querida, gente conhecida, gente estimada. Ô Morte Caetana! Levou Ana Cláudia, levou Everaldo, levou Giovani...

Mas, quem haverá de saber do destino de cada um? Quando eu estava na UTI, na noite de 27 de setembro – não faz nem um mês - toda ligada naqueles tubos, com a Onça farejando os pés da minha cama, se roçando no tubo de oxigênio e puxando a ponta do lençol me peguei pensando que não adiantava me aperrear mesmo, porque a Vida é entrelaçada com a Morte. Quando a gente nasce, é como se assinasse um contrato, e viver é esperar a liquidação dessa fatura. Só por medo da Morte é que a gente agüenta a Vida que às vezes é mais Onça do que a própria Caetana. Shakespeare dizia que é por medo da morte, dessa fatal viagem para o país desconhecido de onde ninguém jamais voltou que suportamos "a angústia do amor desprezado, a morosidade da lei, o orgulho dos que mandam, o desprezo que sofremos dos indignos... Quem carregaria suando o fardo pesado da vida se não fosse o temor da Morte?"

E, no entanto, enquanto escrevo isso, que parece estar carregado de sonhos maus e suspiros de tristeza, olho pela minha janela e vejo que diante de mim o céu está azul, o Sol brilha, e vejo o mundo como, ainda segundo Shakespeare "... este magnifico dosssel, este belo e flutuante firmamento, este teto majestoso, ornado de ouro e flama..." Ah, meu caro leitor, não posso deixar de dizer que o Mundo é Lindo, a Vida é Bela e eu sou Feliz, assim mesmo tudo com letra maiúscula, e que se a Caetana vem é porque é o jeito e devemos lamentar os mortos e chorar, não por eles, mas por nós, que ficamos sem eles e através da partida dos nossos entes queridos nos confrontamos com esse terrível Mistério, do qual todos um dia descobriremos, inexoravelmente, e em definitivo, a solução.

Clotilde Tavares