A TRISTEZA DO POETA

O poeta sente todas as dores do mundo. Ao que parece está fadado a, como o mico-leão-dourado e o jacaré de papo-amarelo, sentir também a dor da saudade e da extinção. Saudade não será novidade, pois ele vive em memórias nostálgicas que transforma em palavras, em lanças lexicais. A extinção é que anda pelas beiradas da sociedade, iminente e não tão reversível como as do mico leão-dourado e do jacaré de papo amarelo. Esses em situação bem mais confortável do que o bicho verbal.

Não sei como Drummond em sua poesia cheia de prosa, seus sonetos cotidianos, pensaria ou escreveria a respeito de tanta imagem pré-digerida que as pessoas no seu geral tendem e teimam em aceitar numa facilidade viciada e quiçá subornada. Diria em outro texto que a lei do menor esforço não passa de a lei do jumento acomodado. E é assim que sinto e vejo sobretudo os mais jovens. Trata-se de um agravante exclusivamente social. Nada de debater-se em intelectualidade aqui nesse texto. O que se passa hoje e agora dentro da sociedade é um caminho ermo e escuro que conseqüentemente, como diria Sthendal, deixa a humanidade em sua boa parte numa cegueira mental muito diferente, por exemplo, do pensamento do poeta cego Glauco Mattoso.

Épico, lírico e dramático. Os três gêneros dominam a fase poética do século XXI. O poeta é um guerreiro épico que com todas as forças adquiridas de Aquiles ou de Enéias nos confins e nas ruínas de Tróia luta desbragadamente contra a débil natureza humana contemporânea envolta numa carcaça preguiçosa e alheia aos esforços do pensamento. Lirismo não se pode dispor, pois se há preguiça em pensar, não haverá também inclinação, quebradiça que seja, para reconhecer a sensibilidade e os encantos de uma imagem poética. Dramático? Dramático, sim senhor. O poeta a beira de um ataque de nervos, embrulhado pelas vozes dissonantes dos que estão à sua volta que clamam, discutem à porfia até, a saída de um brother do tal BBB. Triste visão essa do poeta ao ver pessoas, algumas até amadas e/ou consideradas por ele, dando atestado público de tolice aparvalhada. Enquanto que o poeta, a pimenta do planeta, como diria Herbert, se esfola a mingua para chamar-lhes a atenção sobre o choro do universo, os maus-tratos, aquecimento global, violência rasteira e pérfida em todos os segmentos e que tem como vítima o próprio ser humano tanso assistindo a um prazer fácil e repetitivo. O poeta não está dramatizando porque ele vê injustiça e quer porque quer ser porta-voz de Sócrates ou Martin Luther King para, numa doutrina maniqueísta, converter o mal mascarado sob fascinação hipnótica no bem justo, valoroso e clarividente, por pura vaidade fatal ou intelectual, não é isso. O poeta dramatiza porque está virando poeira para debaixo do tapete e o seu pensamento, a poesia, tornou-se produto achincalhado pelos poderosos cidadãos Kanes. Mesmo assim, por vezes, com suas diáteses, como Augusto dos Anjos, a poesia e o poeta seguram o mundo.

De qualquer forma, segurando o mundo com ou sem o reparo e a concentração de todos ao redor, a poesia sucumbe não lenta nem vagarosa, mas a passos largos ao esquecimento e extinção pela humanidade falida. Outro dia li em um jornal uma crônica em que o cronista perguntava: “é possível reverter essa queda e tornar a poesia novamente importante e popular?” Não. Infelizmente é essa resposta que vem à minha cabeça. Tudo, todos os caminhos levam a essa triste constatação. Com um controle nas mãos e as teclas enter e delete à vista, as páginas de um livro tornam-se obsoletas e antipáticas. Os versos e as estrofes são ordinariamente usadas perdendo o enigma e a estranheza dos significados afins. Vou responder novamente e acabar, para não mais me entristecer e me revoltar a cada palavra ou frase com que construo essa crônica.

... Não é possível reverter essa queda e tornar a poesia novamente importante e popular em função dos encantos prestidigitadores da mídia globalizada, tirana e perversa...

Carlos Vilarinho