Antes de entrar na faca

          Não cessa a curiosidade dos cirurgiões cariovasculares em torno de minhas entranhas. Como resultado, terei de entrar na faca. O que diverte é ouvir dezenas de palpites, alguns mais que palpites, imperativos sobre o que devo fazer. Ninguém bota feijão em minha panela nem me oferece caviar, todos se acham, porém, no direito de dizer como devo viver, como devo morrer. Alguém me sugeriu recorrer a um médico de Aracaju cujo bisturi é quase tão bom quanto o do Régis Jucá. Outro me propõe recorrer a este cirurgião que tratou do Max Nunes e, por isso, foi entrevistado no Jô Soares. São tantas as propostas que vou aceitar a idéia do herdeiro Carlos Eduardo. Acha ele que não devo dispensar nenhum desses palpites.
          Aproveitar todos os cirurgiões indicados e reuni-los em torno de mim, deixando, a cada, um pedacinho a cortar. A vontade que tenho é de pedir a tanta gente empenhada em me apontar soluções que me deixem morrer por conta própria, como sempre vivi. Se quiserem fazer algo, rezem. E, em voz baixa, para não me tirar a paz. Isto me faria muito feliz.
          Alguém estranha que eu esteja brincando diante de intervenção tão delicada. Claro, morro de medo de perder a festa. Mas o que devo fazer: debulhar-me em pranto, em público? Em que isto me ajudaria? 

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          Ao me ver cuidado, em Brasília, pela gastroenterologista Irene Saraiva, por seu marido, o pneumologista Carlos Saraiva & Saraiva, e pela cardiologista Leda Sales, um vizinho médico brincou: "Com uma trinca dessas, só morres se fores muito incompetente".

Lustosa da Costa