Como é que vocês aguentam?

Imagino que não deva ser fácil lidar com o bafo de jibóia dos pacientes. É só o infeliz abrir a boca e, bum (ou pum), vem aquele hálito de pote plástico esquecido na geladeira.
Lembro que alguns dentistas colocavam enxagüantes bucais na água de borrifar nos dentes (não sei o nome daquele dublê de esguichador e soprador). Devia servir para atenuar o impacto do cheiro ruim.
Hoje, dão um enxagüante concentrado para bochecho antes do glorioso "abra a boca". Deve ajudar a minimizar o efeito-estufa do mau hálito.
Com certeza, há uns 10 ou 20 anos devia ser mais difícil. Os cirurgiões-dentistas não usavam máscaras cirúrgicas. Com elas sempre é possível besuntar o tecido com algum perfume forte e agüentar os aromas do ofício.
O Dr. Rodolpho, Dodô para os íntimos, primo do meu cunhado e delegado da Homicídios, uma vez deu a dica (eu ainda era repórter de rua e, às vezes, cobria casos de polícia que envolviam cadáveres em decomposição): "Passe vickvaporub nas narinas". Maravilha! Viramos heróis entre os colegas de reportagem; eu e minha latinha de vick.
Mas é muita bandeira para um cirurgião-dentista passar a pomada de cheiro forte antes de atender a um cliente. Vai recender a pronto socorro infantil. Pode até dizer que está gripado. Mas funciona só uma vez. Na segunda, o paciente já vai estar indicando chá de agrião com mel. Na terceira, vai achar que é algum tipo de droga nova e não volta mais.
E quando vocês abrem aqueles dentes com cáries arqueológicas? Ai, deve ser horrível. Eu sou paciente relapso e, por isso, tenho um verdadeiro museu de cáries fossilizadas. Mas apesar da experiência, não suporto aquele cheiro. Imagino vocês.
Há quem diga que o protologista sofre mais. Menos, é claro, que o gastrenterologista. Muito menos do que o médico-legista. Infinitamente menos do que o limpa fossa. Mas aí eu exagerei.
Ruim, mas ruim mesmo, era a situação de um amigo que apaixonou-se por uma moça que tinha hálito de arma química. Ela insistia em falar olhando nos olhos, de frente, bem de pertinho. Romântica.
Naqueles tempos ainda tinha Jintan. Ele vivia dando as bolinhas prateadas para a moça chupar (no bom sentido). Casaram-se. Dizem que ele desenvolveu carne esponjosa no nariz e, hoje, só respira pela boca. O amor é lindo!
Mas os cirurgiões-dentistas que conheço não respiram pela boca. Portanto, não sofreram nenhuma mutação nasal por conveniência. Então, fica a pergunta: como é que vocês aguentam?

Maurício Cintrão