Ciganinha e o circo

A pequena Ciganinha acordava muitas vezes com vontade de reinar de verdade. Gostava de ler demasiadamente e escrever, mas precisava acumular histórias e conhecer sempre um mundo novo, diverso, inusitado e profundamente fantástico.

Muitas vezes ela dizia à sua amiguinha

“Quero participar de aventuras e poder depois mostrar para todos!”

Tinha muita vontade de ir à Europa, principalmente à Espanha onde residiam seus antepassados. É certo que já tinha ido, mas há muito tempo com seus avós e aí era apenas um nenê.
Gostava também de ir andando, sem rumo e sentar para descansar onde fosse possível se bem que em sua cidade não era fácil. Mas era assim que gostaria de viver.

Nesse dia saiu sem que ninguém percebesse, muito cedo e foi andando desde Copacabana . Levava uma mochila com alguns biscoitos, refrigerantes e água. Estava cansada depois de algum tempo andando, porém sabia que agüentaria muito mais. Foi quando viu um circo, (Ah que alegria, sensação de que chegara ao seu destino), nem deduzia onde era aquele bairro, mas tinha certeza que era afastado da sua casa.

Estava com um vestidinho curto como costumava usar e suas perninhas queimadas em contato ao sol causticante daquele dia. Seu rosto estava rosado e os olhos que mudavam de cor conforme a claridade ou a cor que usava, estavam brilhantes de cansaço e expectativa. Mas não desistiria. Sempre pensou em trabalhar em circo e fazer milhões de malabarismos que costumava aplaudir.

Repentinamente pensou em seus pais e como deviam estar preocupados, mas imaginou que se quisesse uma vida de aventuras eles teriam que se acostumar ao seu modo.

Como o coração batendo muito ela foi entrando e acercou-se daquela espécie de tenda colorida cujo aspecto a fascinava. E entrou.

Tudo parecia silencioso até que viu um homem de jeito bondoso aproximando-se dela e perguntando enquanto a olhava com admiração:

-Linda, linda menina, não estamos em atividade agora...

-Eu não quero ver, quero trabalhar aqui, posso ficar?

A naturalidade com que a garota falou levou o seu interlocutor a sorrir com encantamento...

-Minha querida, onde mora?

Ciganinha não gostava de mentir. Mas sabia que se contasse a verdade o homem não a deixaria ficar...

-Moro na rua... Não tenho casa...

-E seus pais?

-Não conheço...

Mario (assim ele se chamava) olhou-a dizendo que ela era uma menina muita bem tratada e não tinha jeito absolutamente nenhum de morar ao relento. Mas Ciganinha lhe disse que de fato dormia na casa de uma família que a abrigava, mas que precisava trabalhar para ajudar a família que era pobre também.

O homem ficou tão seduzido pela garota, que desconhecendo que teria que checar o que ouvira de uma menininha, resolveu lhe dar a oportunidade de um treinamento para atuar no que ela pedia com tanta veemência. Mas fez Ciganinha prometer que durante o dia iria estudar no colégio que ele lhe arranjasse.

A menina transbordou de felicidade e logo se tornou amiga de todos os participantes do circo e jurava que seria uma escritora mas também começaria sua vida artística por um circo. Nem pensou muito o quanto sua família devia estar aflita! Estava deslumbrada por tudo que via à sua frente.

Em dois dias estava treinando a executar algumas piruetas e apesar da sua inexperiência os assistentes, a platéia enfeitiçada a aplaudia delirantemente...

Ao mesmo tempo uma saudade profunda de seus pais e avós começou a dominá-la, enquanto com a malha que lhe davam para vestir, as perninhas fortes e musculosas e o rosto expressivo conquistava os adultos e crianças que lhe assistiam...

Como seria daí em diante?

E enquanto sempre nos intervalos escrevia sua própria fantasiosa história deixava que o tempo passasse e lhe indicasse um caminho contanto que não lhe tirasse o mistério e a alegria de seus dias atuais...

Vânia Moreira Diniz

Do livro "Ciganinha¨, Editora Ottoni, 2005, DF