BEIJO

          Me enlaças para o beijo e percorro teu rosto de olhos fechados peala espera: e eu?
          Mais beijos, e nos sobrevoamos.
          Em seguida, onde estava, onde estou?
          Como se tivessem passado séculos sobre ele, encaro meu querer-ser deposto, minha solidão. Chego a vê-la a me dar um adeus irônico. Para nunca mais? Ah, não, posso voltar. Devo? Era a luta por uma transcendência que detivesse o tempo, fizesse meu o tempo, sagrasse o dia. A vida sim, mas pela Vida, que me atravessava o firmamento como um cometa, levando-me desencadeado no seu rastro de luz.
          E já não há destino, há beijo. E o beijo como um destino mais forte que o destino. A vontade de ir além, faca na carne, perdi-a entre teus braços.
         Já não importa ser. Sobre a praia do teu corpo, encalho, perco o leme. A estrela que surgia primeiro na tarde para tudo me lembrar e exigir — vem cá, vem cá! — partiu-se nos fulgores de teus olhos, teu corpo, teu sexo. Nada mais quero a não ser teu.
         O que tinha vindo para dar, agora pede. Eis-me um mendigo à porta do teu ser. Esqueço o tempo. Beijo.

Paulo Hecker Filho

Do livro: Cartas de amor, Tchê!, RS, 1986